Seis anos antes da sua morte, em 1981, o jornalista e militante Cláudio Abramo escreveu um artigo intitulado “O mito McLuhan e a sua discutível teoria” que aborda, a partir de uma análise macro, a ineficácia e os equívocos da teoria do professor de literatura canadense Hebert Marshall McLuhan. Voltado para as formulações em torno do campo da Comunicação e Tecnologia, Mc Luhan ficou conhecido na década de 60, principalmente nos cursos de comunicação social, pela sua teoria do meio é a mensagem. Para ele, o meio (ferramenta utilizada) é a própria mensagem no processo de transmissão, ou seja, o meio escolhido interfere diretamente na mensagem a qual se quer passar.
Diferentemente de Cláudio Abramo, McLuhan não era um pensador político e isso, consequentemente, impossibilitou um visão globalizante da sociedade em que ele vivia, implicando nas suas teorias e pensamentos equivocados. Marshall, esqueceu que a técnica e/ou ferramenta são binários no sentido da dependência da ação humana, ou seja, para que o meio atue em determinados processos é necessário que algum individuo direcione tal ação. Logo, a técnica ou meio não são neutro, o que quer dizer que sua escolha é feita a partir de interesses e direcionamentos pautados por objetivos claros.
Um exemplo ilustra tal equívoco: Numa desocupação urbana, o telejornal da cidade, através do Câmera Man, registra o momento de despejo dos trabalhadores urbanos que reivindicam moradia, esse registro é feito a partir da perspectiva de quem está do lado de fora do processo de luta. O militante da comissão de comunicação faz o registro do mesmo fato histórico só que dentro da ocupação. Os dois registraram o mesmo fato, com as mesmas ferramentas de comunicação (câmera), porém, muito provavelmente, a mensagem que transmitida não será a mesma. O jornal, mostrará a ação policial e judicial para acabar com a ilegalidade e garantir o direito burguês da propriedade, o militante, mostrará a resistência dos lutadores e o processo de luta pelo direito básico à moradia.
Os equívocos de McLuhan e seu vislumbramento pela técnica não é o grande problema em si, o problema central é como estas teorias equivocadas e incompletas tornaram-se, com o decorrer da história, referência teórica para os cursos de Comunicação Social no Brasil. Segundo Cláudio Abramo em artigo(F.S.P. Londres, 4.1.81) , a teoria de McLuhan serviu objetivamente para cumprir dois objetivos: 1. Despolitizar a formação dos comunicadores sociais e, 2. Criar nos estudantes o vislumbramento cego pela técnica. Estas afirmações de Abramo foram feitas no inicio da década de 80 porém, surgiram a partir de uma análise totalizante do processo de reconfiguração o qual passava o sistema capitalista.
A partir do final da década de 60, a produção de bens de consumo se tornavam cada vez mais saturada, o que era visualizado era uma crise inflacionária e fiscal e uma alta concorrência intercapitalista. Além do que, o papel contraditório e infundado do Estado de Bem-Estar Social em atender as necessidades privadas do capital e as demandas sociais, ora ou outra, cairia por água abaixo. A crise que estava colocada era de natureza estrutural o que precisaria de saídas complexas para sua superação. A saída para a crise se deu através da restruturação do sistema capitalista e consequentemente do mundo do trabalho.
O Estado do Bem-Estar Social transformou-se em Estado Mínimo, tornando o mercado o regulador supremo das relações sociais do capitalismo e empurrando para a sociedade o que conhecemos como Neoliberalismo. Para a classe trabalhadora, as consequências desse processo resultou na negação dos direitos sociais, na instabilidade de emprego e na privatização crescente dos direitos. Paradoxalmente ao momento de crise econômica, houve um avanço global em relação as bases técnicas de produção. É nesse momento histórico, onde surge a microeletrônica, microbiologia e a engenharia genética, substituindo a tecnologia rígida em tecnologia flexível. Estes avanços apontaram para o sistema capitalista duas necessidades emergenciais: 1. A superação do sistema fordista de produção e, 2. a demanda de trabalhadores qualificados capazes de manusear as máquinas informatizadas e solucionar, rapidamente, possíveis problemas. É evidente que para garantir a qualificação destes trabalhadores foi necessário reorganizar a Educação e a formação profissional tornando-as em meras etapas a se chegar a acumulação do capital.
A década de 70 marca um momento histórico crucial no ordenamento da sociedade capitalista. Foi o período o qual a conhecida Era de Ouro (Era mundial do petróleo) entra em colapso colocando em crise o sistema econômico mundial e a necessidade emergencial de buscar alternativas capitalistas para a superação da crise. A Era de Ouro, foi o período que antecedeu a década de 70 e, aparentemente, tantos os países desenvolvidos e os terceiros-mundistas passavam por um processo de desenvolvimento econômico o qual era garantido tanto pela condições econômicas mundiais através do petróleo, tanto e, principalmente, pelo fortalecimento do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State). A aposta feita num Estado que direcionava suas políticas para a garantia dos direitos sociais (moradia, trabalho, educação, saúde, etc.) não era em nenhum momento uma bondade do capitalismo, pelo contrário, o investimento nestes setores eram feitos com o objetivo claro de dar condições minimas aos trabalhadores, para que estes, pudessem consumir. Segundo H. Ford, que ficou conhecido pela inserção da linha de montagem em série na produção capitalista (fordismo), “nossos operários também devem ser nossos clientes”.
Com objetivo de garantir o desenvolvimento econômico do capitalismo,Theodore Schultz formulou sobre o papel econômico da educação e a chamada: teoria do capital humano. Tal teoria compreende a educação e a formação profissional como um espaço primordial para garantir a instrução, o treinamento, a qualificação, e o desenvolvimento de habilidades capazes de potencializar a capacidade de trabalho e de produção. Em outras palavras, a teoria do capital humano reconfigurou o papel emancipatório da Educação na sociedade, tornando-se em espaço de formação dos trabalhadores aptos a manusear as novas técnicas , fruto da microeletrônica, e, o mais importante, formação de trabalhadores impossibilitados de qualquer reflexão crítica acerca do capitalismo e das relações sociais.
Cláudio Abrahmo não estava errado quando, no inicio da década de 80, afirmou que a teoria de McLuhan e o vislumbre pela técnica serviu (e ainda serve) para despolitizar a formação dos comunicadores sociais. Suas afirmações partiram de uma análise totalizante do reordenamento do sistema capitalista. É nesta mesma década, que evidenciamos no Brasil o aprofundamento da política neoliberal e consequentemente das reconfigurações na Educação Brasileira. O que podemos observar hoje, com as políticas privatistas do Governo Lula para educação e as modificações curriculares nos diversos cursos, é o aprofundamento da tecnicização da formação dos trabalhadores e trabalhadoras.
No caso específico do curso de Comunicação Social, a tecnicização se efetua de maneira tática para o sistema capitalista, já que envolve a formação dos profissionais que trabalharão na máquina ideológica do sistema (meios de comunicação de massa). Para tanto, a formação ofertada aos estudantes de Comunicação Social é voltada diretamente ao aprendizado da técnica pela técnica, esvaziando por completo a compreensão macro de sociedade. De maneira prática, estas características se mostram a partir das mudanças curriculares com a saída de disciplinas importantes para compreensão totalizante da comunicação na sociedade. É o caso de disciplinas como Economia política da comunicação e da cultura, Realidade brasileira, Filosofia, Psicologia, Sociologia, entre outras que há muito deixaram de existir nos currículos dos Cursos de Comunicação Social.
O processo de criação das novas diretrizes curriculares para o Jornalismo em 2009 pelo MEC, o desmembramento gradativo das habilitações e sua transformação em cursos isolados e a extinção da área da comunicação social como área de conhecimento reflete diretamente a necessidade do sistema capitalista em formar profissionais capazes de executar ações sem qualquer reflexão. O objetivo destas mudanças é estritamente investir e modelar da melhor forma o capital humano.
Em contrapartida, é necessário darmos respostas que vá de encontro ao caráter tecnicizante da formação profissional. Respostas estas, que devem ser pautada por uma concepção capaz de compreender criticamente a realidade a qual a comunicação e os trabalhadores e trabalhadoras estão inseridos, com o objetivo claro de possibilitar a estes, bases concretas para o desenvolvimento emancipador da atividade profissional comprometido estritamente aos interesses da nossa classe.
*Pedro Alves é estudante de Comunicação Social e Coordenador Nacional da Enecos
Publicado no Blog Joanne Mota