A valorização do trabalho na Constituição de 1988

Por Adilson Araújo, presidente da CTB

Resultado maior da luta das forças progressistas e do povo brasileiro pela democracia e contra o regime militar instalado em 1964, que ruiu em 1985 no rastro da histórica campanha das Diretas Já, a Constituição brasileira, promulgada em 1988, elevou os valores sociais do trabalho a um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, ao lado da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político (art. 1º, IV, da CF/88).

A Constituinte de 1988 também reconheceu o trabalho como um dos pilares da ordem econômica e da ordem social, que devem ser orientadas pelos princípios da justiça social, da livre iniciativa, da função social da propriedade, da defesa do consumidor, do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais, entre outros (arts. 170 e 193 da CF/88).

Fundamento da ordem social

A valorização do trabalho humano deve ser, na concepção dos constituintes, um dos fundamentos da ordem econômica, que por sua vez deve assegurar a todos existência digna (art. 170, caput, da CF/88). A ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193 da CF/88).

A valorização do trabalho na Constituinte de 1988 também se refletiu na consolidação e ampliação dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que passaram a ser considerados direitos sociais (art. 6º da CF/88).

Entre esses direitos (cabendo destacar que alguns já estavam previstos na CLT, mas ganharam status constitucional e em sua maioria estão previstos no Artigo 7º) destacam-se:
a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa (cuja efetivação ainda depende de lei complementar);

  • o seguro-desemprego;
  • o salário mínimo;
  • o 13º salário;
  • a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
  • a proteção do salário na forma da lei;
  • a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais;
  • o repouso semanal remunerado;
  • as férias anuais remuneradas;
  • a licença à gestante;
  • a licença-paternidade;
  • a proteção do mercado de trabalho da mulher;
  • o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço;
  • a redução dos riscos inerentes ao trabalho;
  • o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
  • a aposentadoria;
  • o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
  • a proteção dos trabalhadores e trabalhadoras contra os efeitos da automação (que também depende de lei complementar)
    Fortalecimento dos sindicatos
    A Constituição de 1988 também prestigiou as negociações coletivas de trabalho, com o fortalecimento da autonomia sindical e a liberdade de organização, estendida aos servidores públicos. Consagrou a unicidade sindical, o sistema confederativo, a Contribuição Sindical e outras fontes de sustentação da luta sindical. Também tornou constitucional o direito de greve (arts. 8º e 9º da CF/88).
    A valorização do trabalho na Constituição de 1988 foi um marco histórico para a afirmação dos direitos dos trabalhadores e para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e solidária no Brasil.
    Neste sentido, cumpre destacar que outra grande conquista consagrada na Constituição foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), cujo fortalecimento é defendido pela CTB, as centrais sindicais e os movimentos sociais.
    Neoliberalismo, a reação do capital
    Nascida no leito de uma grande mobilização nacional, que resultou na saída de cena dos generais golpistas em 1985, a Constituinte, convocada pelo governo Sarney e eleita em 1986, foi o desfecho de uma luta de classes levada a cabo num momento, raro, em que a correlação de forças na arena política nacional era relativamente favorável à classe trabalhadora.
    Mas a verdade é que desde o momento de sua elaboração o novo texto jurídico destinado a definir a ordem social, econômica e política do Brasil foi forjado no fogo de profundas divergências e muitas batalhas. As forças conservadoras e reacionárias se organizaram através do chamado Centrão para barrar os avanços, conseguindo impedir, entre outras coisas, a jornada semanal de 40 horas e a reforma agrária.
    O caráter progressista da Carta Magna brasileira também caminhava na contramão da contraofensiva detonada pelo capital contra as forças do trabalho em todo o mundo, configurada no neoliberalismo, que se tornaria hegemônico também no Brasil durante os anos 1990, com os governos Collor e FHC.
    Tanto o breve governo de Collor quanto os dois governos liderados FHC estabeleceram como prioridade de suas agendas políticas o desmonte das conquistas sociais estabelecidas pelos constituintes, sob o pretexto de que a Constituinte não cabe no orçamento. O líder tucano tratou de flexibilizar a legislação trabalhista, reduziu direitos previdenciários, classificou os aposentados de “vagabundos” e arrochou o valor das aposentadorias e pensões.
    Os retrocessos foram interrompidos, e em certa medida revertidos, nos governos Lula e Dilma, mas o golpe de 2016 impôs ao país uma funesta restauração do neoliberalismo. A reforma trabalhista e a terceirização das atividades-fim, aprovadas no governo Temer, flexibilizaram e reduziram os direitos conquistados pela classe trabalhadora e previstos na CLT e na Constituição. Bolsonaro complementou o retrocesso com a reforma da Previdência, que reduziu o valor dos benefícios e ampliou o tempo de trabalho e contribuição para adquirir o direito.
    A vitória de Lula, e a derrota das forças conservadoras e de direita, inaugura uma nova fase política no Brasil na qual o espírito progressista que orientou a elaboração da nossa lei maior, batizada de Constituição Cidadã, deve prevalecer, de forma que a valorização do trabalho venha de fato a constituir um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, ao lado da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político, conforme determina a Carta Magana.