Frente à ofensiva neoliberal contra o serviço público, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), em articulação com a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), prepara uma proposta alternativa de reforma administrativa. A iniciativa busca reconstruir o Estado com base na justiça social, na valorização dos servidores e no combate às desigualdades — enfrentando os retrocessos iniciados nas reformas dos anos 1990.
Pauta conservadora domina o Congresso
Enquanto o Brasil segue sob vigilância e pressão externa, a Câmara dos Deputados mantém uma agenda conservadora, desconectada das demandas do povo trabalhador. Para João Paulo Ribeiro, secretário dos Serviços Públicos da CTB, “a ampla maioria dos que compõem esse grupo de trabalho nem são oriundos do serviço público. São, em sua maioria, deputados de direita, empresários, que querem usar o serviço público para seus próprios benefícios”.
Ele denuncia a exclusão de parlamentares comprometidos com o funcionalismo do grupo que discute a reforma: “Pasme: a companheira Alice Portugal (PCdoB-BA), uma das coordenadoras da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, sequer foi convidada — e nem outros integrantes desta importante Frente! Foi convidado apenas o deputado do PDT, André Figueiredo, coordenador da Frente Parlamentar Servir. Há também um deputado do PT e um do PSOL. Qual foi o critério que o presidente Hugo Motta usou para indicar esse grupo de trabalho? Os representantes dos servidores serão convidados para serem ouvidos?”
Acordos ignorados e precarização crescente
Segundo Ribeiro, as negociações com o governo federal também enfrentam impasses. “O secretário de Relações de Trabalho do MGI, José Feijóo, chama reunião apenas para dizer ‘não’ e não apresenta nada de novo. Não houve espaço para negociação real. No entanto, eles do MGI dizem já ter conversado com deputados que se dizem ‘defensores’. Qual o critério do governo em ouvir caminhoneiro, empresário, uma central — e não os representantes dos trabalhadores dos serviços públicos? Quando poderão contribuir para esta reforma, ou será mais uma deforma como a que está em curso?”
A crítica se estende à condução autoritária da política pública, inclusive na educação: “Na cidade de São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes chegou a mudar a lei permitindo que um contrato de emergência na educação, que antes podia durar dois anos, agora passe para quatro anos”, alerta.
Entre 2017 e 2025, os vínculos temporários na educação paulista aumentaram 240%, enquanto o número de concursados cresceu apenas 4,8%, segundo dados oficiais da prefeitura. “Isso mostra como estão desmontando o serviço público na prática, substituindo servidores de carreira por contratos temporários e apadrinhados políticos”, aponta.
Terceirização e favorecimento político
Dados recentes do IBGE confirmam a tendência nacional de precarização. Em municípios como Fernando de Noronha (PE) e Centro do Guilherme (MA), mais de 90% dos trabalhadores no setor público são temporários. “Esses dados são do IBGE — ou seja, não é opinião, é fato oficial. O serviço público está sendo leiloado!”, denuncia João Paulo.
Ele segue: “E sabe quem são os donos da maioria dessas empresas terceirizadas? Amigos e parentes de deputados federais e estaduais e vereadores e gestores, de todas esfera. Agora virou moda terceirizar tudo, e isso serve de fachada para aumentar os lucros deles”.
Crítica à PEC 66 e aos precatórios
João Paulo também condena a PEC 66, que pode limitar drasticamente o pagamento de precatórios: “Precatório deveria ser pago imediatamente, porque é resultado de uma decisão judicial reconhecendo um direito negado. Agora querem transformar isso numa promessa eterna!”.
Ele completa: “Essa PEC é mais uma tentativa de engessamento, com muito lobby dos prefeitos para fazer descontos maiores na previdência. E o pior: não estamos nem debatendo isso seriamente!”.
Reforma sem povo: o risco da “meritocracia” seletiva
Para JP, o atual modelo de reforma está invertendo os princípios do serviço público: “O que estão fazendo hoje é o contrário do que deveria ser. Só pensam em meritocracia. Mas como falar de mérito num país onde as oportunidades não são iguais?”
“Precisamos de uma reforma administrativa? Sim. Mas uma reforma que amplie direitos! Que corrija erros de governos anteriores, inclusive do Lula 1 e 2. Que fortaleça o Estado e a independência dos servidores — não que os fragilize e impeça uma prestação de serviço público digna para a população”.
Greves e mobilizações em curso
A crise atinge em cheio categorias como os professores da Bahia e do Distrito Federal, em greve diante da ausência de diálogo e da recusa em negociar. Para João Paulo, “todas as greves no serviço público existem para abrir negociação, porque não há negociação. A negociação coletiva resolveria isso; talvez, em muitos casos, nem haveria greves. Mas o Congresso reacionário não quer aprovar a regulamentação da Convenção 151 da OIT, e o governo federal não apresenta respostas concretas sobre essa regulamentação — que foi inclusive acordada (mesmo faltando ajustes) com as centrais desde abril de 2024. Cadê a minuta a ser entregue ao Congresso?”
Unidade e alternativa: um novo projeto de Estado
A CTB e a CSPB defendem que o momento exige mais do que resistência: é hora de disputar um novo modelo de Estado Social de Direito. “Dizer só ‘não’ à reforma não é tático nem estratégico. Temos que apresentar uma proposta alternativa que dialogue com a sociedade e enfrente os retrocessos iniciados por Collor, FHC e aprofundados por Bolsonaro”, afirma João Paulo.
A proposta será construída em diálogo com todas as centrais que quiserem participar e com organizações do serviço público. O objetivo é garantir estabilidade, valorização dos servidores, políticas públicas de qualidade e soberania nacional — em vez de um Estado gerido como negócio por grupos políticos e econômicos que investem na terceirização e precarização dos serviços públicos.