Publicada no final do mês de maio, a Medida Provisória nº 1.301/2025 representa mais um ataque frontal ao Sistema Único de Saúde (SUS) e à lógica constitucional de organização da saúde pública no Brasil. Ao instituir o programa “Agora Tem Especialistas”, sob a justificativa de ampliar o acesso à atenção especializada, o governo federal promove na prática um processo de privatização disfarçada, esvaziamento da rede pública e favorecimento econômico a grupos privados.
A MP ainda cria artificialmente uma empresa pública – o Grupo Hospitalar Conceição S.A. – sem a devida autorização legislativa exigida pela Constituição e pela Lei das Estatais, além de conceder benefícios fiscais bilionários sem apresentar o impacto orçamentário-financeiro exigido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
“Ainda que o governo federal tenha como prioridade facilitar o acesso, democratizar o acesso, ampliar o acesso às especialistas, as ações dele dentro do Estado do Rio de Janeiro são contraditórias porque ele está através do processo de fatiamento da rede federal extinguindo dois hospitais federais que têm como foco a atenção especializada, então as ações deles se confrontam inclusive com o próprio objetivo divulgado pela MP 1301 para além de todas as inconsistências e inconstitucionalidades e irregularidades que estão postas no texto da medida provisória.”- afirma Cristiane Gerardo, dirigente da CTB-RJ e do Sindsprev-RJ
Diante da gravidade da proposta, o Sindsprev/RJ, entidade filiada à Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), protocolou ofício junto ao Ministério Público Federal solicitando providências urgentes para barrar a medida. A seguir, apontamos os principais problemas destacados pela entidade.
Violação à Constituição na criação do Grupo Hospitalar Conceição S.A.
A MP 1301 denomina como empresa pública o Grupo Hospitalar Conceição S.A., porém o faz sem lei específica, conforme exige o artigo 37, inciso XIX, da Constituição Federal. A medida também desrespeita a Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais), que determina que só uma lei pode autorizar a criação de empresa pública e que seu estatuto deve estar vinculado à legislação de origem.
Como denuncia o ofício do Sindsprev/RJ, “a MP em questão denomina o Grupo Hospitalar Conceição SA, definindo uma série de competências de caráter público próprio de Empresas Públicas, entretanto sem constituí-la como tal, transformando aquilo que nunca foi criado de forma regimental, observando a legislação constitucional em vigor”.
Retirada de poder do controle social e ataque à estrutura tripartite do SUS
A MP ignora completamente a participação popular e o controle social, princípios fundadores do SUS, consagrados nos artigos 196 e 198 da Constituição. Segundo o Sindsprev/RJ, trata-se de uma “medida autoritária, que altera a Lei do SUS de forma unilateral, sem qualquer escuta da sociedade civil, dos trabalhadores e dos usuários do sistema público de saúde”.
“A medida tem caráter impositivo e privatista, promovendo parcerias com hospitais privados sem o devido diálogo com as conferências de saúde, instâncias máximas do controle social”, alerta o ofício.
Além disso, ao modificar o artigo 16 da Lei nº 8.080/1990, a MP rompe com a lógica de cooperação entre União, Estados e Municípios, favorecendo o repasse de responsabilidades à iniciativa privada em detrimento da ação direta do Estado.
Renúncia fiscal bilionária sem transparência e sem lastro legal
Um dos pontos mais graves da MP é a criação de créditos financeiros para hospitais privados em troca de atendimentos especializados, o que funcionará como compensação de tributos federais – uma renúncia fiscal estimada em R$ 2 bilhões anuais até 2030.
Conforme destaca o Sindsprev/RJ, a proposta “não apresenta estimativa do impacto orçamentário-financeiro, violando frontalmente o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)”.
Além disso, o sindicato cita relatório do Tribunal de Contas da União que já havia criticado, em 2023, a prática sistemática do Executivo de conceder desonerações sem cumprir os requisitos legais. “A MP 1301 de 2025 se transforma em um verdadeiro ‘balaio de gatos’, tratando de concessão de benefício tributário, transformação de cargos públicos e criação irregular de empresa pública em um só ato normativo”.
Desmonte da rede federal no Rio de Janeiro: da oncologia à urgência
A MP 1301 ocorre num momento em que o governo federal promove, segundo o Sindsprev/RJ, o desmonte da Rede Federal de Saúde no Rio de Janeiro, com “a extinção de duas unidades especializadas e a transformação de hospitais de referência em meras unidades de emergência”.
O sindicato denuncia que o Ministério da Saúde está “mudando o perfil assistencial de hospitais voltados à oncologia em um território onde pacientes esperam até 30 meses para iniciar o tratamento contra o câncer”. A justificativa oficial seria uma fusão entre unidades, mas o que ocorre, na visão da entidade, é um esvaziamento deliberado para justificar a entrega do serviço à iniciativa privada.
Uma MP feita sob medida para interesses privados
O Sindsprev/RJ é categórico: a MP 1301/2025 é inconstitucional, antidemocrática e fiscalmente irresponsável. Longe de fortalecer o SUS, ela ameaça os princípios da universalidade, integralidade e equidade, ao mesmo tempo em que beneficia grupos privados com isenções fiscais e contratos milionários sem licitação.
A entidade sindical exige:
A imediata suspensão da MP 1301/2025;
A interrupção do projeto de municipalização/fusão da Rede Federal de Saúde no RJ;
E a apuração pelo Ministério Público Federal das violações legais e constitucionais promovidas pela medida.
A luta da CTB-RJ e do Sindsprev/RJ é em defesa do SUS 100% público, estatal e com controle social. O povo brasileiro não pode aceitar que as políticas de saúde se tornem moeda de troca para interesses privados em detrimento da vida da população.
Informações: CTB-RJ, Sindsprev-RJ.