Como não houve votos divergentes, não há possibilidade de recurso ao plenário; proposta é arquivada
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal rejeitou por unanimidade, nesta quarta-feira (24), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apelidada de “PEC da Blindagem”, aprovada na última semana pela Câmara dos Deputados. A ausência de votos divergentes faz com que a proposta seja imediatamente arquivada, sem a possibilidade de recurso ao plenário. No entanto, o presidente da comissão, senador Otto Alencar (PSD-BA), afirmou que, apesar da regra, enviará a matéria para votação no plenário.
O arquivamento da matéria ocorre após as mobilizações massivas do último domingo (21), que levaram milhares de pessoas às ruas em todo o país em repúdio ao texto que blinda parlamentares e à tentativa de anistia aos condenados por tentativa de golpe de Estado.
O relator da proposta na CCJ, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), indicou a “inconstitucionalidade, injuridicidade e rejeição da proposta”, não sem antes criticar ponto a ponto da PEC em seu relatório.
“A PEC número 3, PEC da Blindagem, também representa um gigantesco passo atrás no tocante à transparência, ao exigir voto secreto para deliberação sobre autorização para que parlamentares sejam processados e para que a casa legislativa resolva sobre os casos de prisão em flagrante”, avaliou. “Se a votação secreta pode ser capaz de afastar determinadas pressões, ao mesmo tempo, ela enfraquece o controle popular sobre seus representantes em violação aos princípios democrático, representativo e republicano, fundamentais cláusulas pétreas da nossa Constituição, do nosso país”, considerou o relator.
Segundo Vieira, já existe prerrogativa constitucional para a suspensão de processos judiciais contra parlamentares diante de abusos do Poder Judiciário. Ele citou o caso do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que teve parte das acusações contra ele suspensa por decisão do parlamento, já que se tratava de supostos crimes cometidos quando o deputado já havia sido diplomado.
“Há pouquíssimos dias, a casa vizinha suspendeu parcialmente o processo, os processos referentes ao deputado federal Alexandre Ramagem. O deputado federal Alexandre Ramagem teve os processos referentes a atos praticados por ele após a sua diplomação suspensos por decisão da casa legislativa respectiva, que é a Câmara dos Deputados”, apontou.
Por outro lado, descartou que determinadas declarações de parlamentares sejam objeto de imunidade, sempre e quando firam direitos de outros. Ele citou o caso das queixas-crimes apresentadas pela então deputada federal e hoje ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do governo, Gleisi Hoffmann, contra o deputado Gustavo Gayer (PL-GO), que usou palavras de baixo calão e chegou a chamá-la de “prostituta”.
“Com todo respeito, me parece absolutamente impossível atrelar tais agressões ao legítimo exercício do mandato parlamentar”, disse o senador.
“Com isso tudo, observa que o objetivo real da PEC, da blindagem é proteger autores de crimes graves, como corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, tráfico de entorpecentes e infiltração cada vez mais na atividade de milícias e facções no nosso país. Isso configura um absolutamente claro desvio de finalidade e, por consequência, uma absoluta inconstitucionalidade chapada”, avaliou o relator, que parafraseou Guimarães Rosa ao final de seu voto. “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim. Ela esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que a vida quer da gente é coragem”.
“Vossa Excelência teve a coragem cívica de pautar com a urgência devida essa matéria absurda”, disse Vieira, dirigindo-se ao presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD-BA). “E eu confio que o plenário da comissão também terá coragem de rejeitar a PEC da blindagem, virando essa página triste do nosso legislativo e homenageando a nítida vontade popular brasileira que clama por mais justiça”, finalizou.
Bolsonaristas envergonhados… até a segunda página
O senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC) chegou a apresentar um voto em separado, ou seja, uma proposta alternativa ao relatório de Vieira, mas o retirou logo em seguida. O Partido Liberal deu 100% dos votos de sua bancada na Câmara à PEC da Blindagem. Durante a votação, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) chegou a dizer que queria “ser blindado”.
Seif reconheceu a rejeição popular à proposta. “Nós precisamos ouvir a voz das ruas”, disse o senador.
Quem também votou por encerrar a tramitação da matéria foi o senador Sérgio Moro (União-PR), que defendeu a proteção parlamentar para crimes contra a honra, como o caso do deputado Gayer, mencionado por Vieira.
“Nesse projeto, eu apresentei junto com vários pares uma emenda cujo objetivo era muito claro: reduzir a abrangência da proteção apenas para crimes contra a honra”, afirmou Moro. “Penso que poderíamos avançar, mas o relator não acolheu, não vou insistir na PEC nesse momento”, disse o ex-juiz, que foi logo respondido pelo petista Fabiano Contarato (PT-ES).
“Meu pai, motorista de ônibus, minha mãe, semialfabetizada, me deram educação. Eu estou falando isso porque quando eu vejo o parlamentar defendendo imunidade parlamentar para quem pratica crime… a liberdade de expressão não pode ser utilizada para prática de crime. É simples assim”, disse o senador.
‘Máscaras caíram’
O senador e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) Humberto Costa (PE) não deixou a contradição da extrema direita passar imune a críticas. Segundo ele, não fossem as multitudinárias mobilizações do último domingo (21), os bolsonaristas, aliados ao Centrão, teriam seguido na empreitada da blindagem.
“Depois daquelas enormes manifestações do último domingo e de pesquisas que mostraram que mais de 80% da população é contra essa proposta, a mim parece e é claro que a máscara caiu. Obviamente as pessoas tiveram essa chance de mudar de opinião, mas é claro que a extrema direita desse país patrocinou essa proposta”, disse o senador.
Costa destacou ainda a inversão de prioridades da direita brasileira em relação às pautas de interesse nacional. “[A extrema direita] sempre a recusa de discutir os temas de grande interesse da população, como agora o Imposto de Renda, a isenção. A Câmara está lá enrolando a proposta que foi mandada pelo governo”, ressaltou.
“O Senado hoje vai decretar o fim dessa proposta indecente. Mas a coisa mais importante, no meu ponto de vista, é que realmente a máscara da extrema direita caiu no nosso país”, completou.
O líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (PT-AP), também destacou o papel da oposição bolsonarista na Câmara e da articulação com partidos do centrão para a aprovação da PEC.
“É importante dar os nomes devidos aos bois como eles são. Como essa proposta foi parida lá na Câmara dos Deputados? Ela foi parida de uma articulação de uma proposta que estava arquivada há algum tempo, em favor da tramitação também da proposta de anistia que o principal partido de oposição defende lá na Câmara dos Deputados”, recordou.
Rodrigues denunciou que embora a rejeição tenha sido unânime na comissão, até a véspera da votação, a extrema direita articulava aprovar uma emenda para criar uma “blindagem nutella”, uma alternativa à PEC aprovada na Câmara.
“Nós vamos votar por aclamação e não vai ter emendas, embora ontem tenha surgido uma proposta de emenda que relativizava, que mantinha viva, em outras palavras, que criava uma blindagem não inteira, mas pela metade. Em outras palavras, que criava uma blindagem ‘nutella’ e não uma blindagem raiz”, destacou o senador do Amapá.
Informações: Brasil de fato.