Decisão sobre uberização e relações precarizadas impostas pelas empresas de tecnologia a milhões de trabalhadores terá repercussão geral
O reconhecimento do vínculo empregatício entre motoristas e entregadores e as empresas de aplicativos de transporte e serviços voltará à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima quarta-feira (1º). Esta será a primeira sessão sob a presidência de Edson Fachin, que assume o posto nesta segunda-feira (29).
A questão tem gerado controvérsias e a decisão a ser tomada deverá formar a jurisprudência a ser seguida sobre a chamada “uberização do trabalho”, formato que tem contribuído diretamente para a profunda precarização da vida dessa categoria.
Cerca de 10 mil processos que estão parados em todo o país à espera do posicionamento do plenário passarão a ser julgados com base nesse entendimento. Atualmente, o Brasil tem cerca de 2,1 milhão de pessoas que exercem esse tipo de trabalho, dos quais 1,7 milhão são motoristas de aplicativos e 455,6 mil são entregadores — em 2015, eram 770 mil, um salto de 170% em dez anos, segundo dados da Pnad Contínua, do IBGE.
O cerne do debate gira em torno de decisões tomadas pela Justiça do Trabalho, que tende a reconhecer o vínculo empregatício em favor da garantia de direitos dos trabalhadores. Já as empresas, por outro lado, tentam burlar suas obrigações argumentando que seriam meras plataformas de intermediação de serviços, e não companhias do ramo de transporte.
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Dois casos deverão estar em pauta. Uma das reclamações, movida pela Rappi, já havia entrado na pauta, mas não chegou a ser julgada. Outro, relatado por Fachin, diz respeito à Uber. O recurso, apresentado em 2023, questionava decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que havia mantido decisão do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ), reconhecendo a relação de emprego de uma motorista com a empresa.
“Os aplicativos se escondem atrás de uma cortina de fumaça sob o prisma de que não prestam serviço, que são apenas um elo de ligação. Só que esses aplicativos determinam o horário, cortam ou suspendem o trabalhador… E é através da plataforma que todas as decisões em termos de punição contra o trabalhador são tomadas, enquanto que a outra ponta — que seria, por exemplo, o restaurante ou a farmácia — apenas entrega a mercadoria”, explicou Valter Ferreira, presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindimoto-RS), em matéria anterior do Portal Vermelho sobre o tema.
O histórico de decisões do STF a respeito desta questão não tem sido animador e tende a reconhecer a “livre iniciativa” dessa relação, ignorando a super-exploração e a falta das proteções mínimas que deveriam ser garantidas a todos os trabalhadores.
De acordo com levantamento feito pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho além do Direito do Trabalho”, da Universidade de São Paulo (USP), em convênio com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Nunes Marques e Dias Toffoli já se manifestaram contra esse tipo de vínculo, em decisões monocráticas.
Já a ministra Cármen Lúcia teve o mesmo posicionamento, mas em decisão de colegiado. Segundo o levantamento, somente entre julho de 2023 e fevereiro de 2024, 15 reclamações sobre o tema chegaram à Corte.
Informações: Brasil de Fato.