Por Adilson Araújo, presidente da CTB
Recentemente, o presidente Lula chamou a atenção do povo brasileiro para direitos sociais fundamentais previstos na Constituição brasileira que foram transformados em letra morta pela omissão deliberada da maioria dos parlamentares, que, sensíveis apenas aos interesses mesquinhos do patronato, se negam a regulamentá-los.
“Pega a Constituição e veja os direitos sociais. Não são regulamentados, e por quê? Porque a maioria dos deputados não são trabalhadores, não têm compromisso com os trabalhadores”, lamentou o presidente.
Com efeito, 37 anos após a promulgação da Constituição Federal, dois direitos trabalhistas fundamentais continuam apenas no papel: a proteção do trabalhador diante da automação e a coibição da demissão sem justa causa. Ambos constam no artigo 7º da Carta Magna, mas dependem de leis complementares que até hoje não foram aprovadas pelo Congresso Nacional.
Proteção ficou no papel
Enquanto robôs, algoritmos e sistemas de inteligência artificial ganham espaço em setores inteiros, o Brasil segue sem regras para mitigar os impactos sociais adversos da automação – e sem instrumentos legais que coíbam demissões arbitrárias, como a Convenção 158 da OIT, que chegou a ser aprovada no Parlamento, mas foi logo denunciada pelo governo neoliberal do tucano FHC, em 1996, que contemplou os interesses da burguesia.
O inciso XXVII do artigo 7º da Constituição prevê “proteção em face da automação, na forma da lei”. A norma foi considerada visionária à época da Constituinte, em 1988, quando o país vivia a transição democrática. No entanto, 37 anos depois, o direito não tem qualquer regulamentação prática.
Hoje, o avanço da automação e da inteligência artificial ameaça empregos em setores industriais, bancários, administrativos e até criativos, enquanto políticas de requalificação profissional seguem escassas.
Demissão arbitrária e injusta continua sendo regra
Já o inciso I do mesmo artigo constitucional determina “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar”. Mas essa lei nunca foi votada pelos congressistas, de forma que os empresários continuam livres para demitir a qualquer momento sem justa causa, bastando pagar as verbas rescisórias previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no caso de quem tem carteira assinada, sendo que não raro o trabalhador precisa recorrer à Justiça do Trabalho para receber.
Esses e outros fatos revelam a poderosa influência do patronato no Parlamento. Por exemplo, as pesquisas indicam que 70% dos deputados federais são contra o fim da escala 6×1, ansiada por dezenas de milhões de trabalhadores e trabalhadoras brasileiras e apoiada por 73% da população brasileira. Por aí se vê o forte contraste entre os interesses da sociedade e dos parlamentares.
“Regular a demissão arbitrária significaria restringir um dos principais poderes do empregador — o de dispensar”, conforme observou o advogado trabalhista Eduardo Fontes. “Desde 1988, o setor empresarial pressiona o Congresso para impedir qualquer iniciativa nesse sentido.”
Projetos engavetados e resistência política
A falta de regulamentação não se deve à ausência de propostas. Em 2023, o PLP 152/2023, apresentado no Senado, buscou regulamentar o inciso I do artigo 7º, definindo o que constitui despedida arbitrária e criando indenizações específicas para esses casos. O projeto, porém, não avançou nas comissões.
O bloqueio é político e econômico. “O Congresso tem sido historicamente sensível às pressões do empresariado”, afirma o sociólogo Marcos Ferreira, pesquisador do mercado de trabalho. “Qualquer tentativa de restringir a demissão imotivada é vista como uma ameaça à ‘liberdade de gestão’ das empresas.”
Neoliberalismo
A hegemonia do neoliberalismo nos anos 1990 alterou o cenário político que antecedeu a elaboração e aprovação da Constituição Cidadã, que foi promulgada em 1988 já sob forte pressão e contestação das forças reacionárias. Desde então, as conquistas consagradas na Carta Magna em matéria de direitos sociais foram alvos de uma feroz ofensiva das classes dominantes para desconstruir o Direito do Trabalho.
Grandes retrocessos foram impostos principalmente após o golpe de 2016, travestido de impeachment, e durante o governo Bolsonaro, com destaque para a reforma trabalhista, que permitiu o aumento da jornada de trabalho e introduziu a infame modalidade do contrato intermitente, além de subtrair do movimento sindical sua principal fonte de sustentação. Além disso, nos foi imposta a terceirização irrestrita, inclusive das atividades-fim, e as mudanças regressivas na Previdência Social.
A ofensiva capitalista tem por objetivo a destruição do Direito do Trabalho e, em que pese os retrocessos já impostos, prossegue não só no Parlamento, mas também no STF, que acena com um golpe ainda mais mortal neste sentido com a institucionalização da pejotização e a subtração da competência da Justiça do Trabalho no julgamento dessa modalidade de fraude patronal.
Para reverter este quadro, defender as conquistas sociais e avançar com a pauta da classe trabalhadora, além de garantir a regulamentação e efetivação dos direitos previstos na Constituição, será preciso viabilizar uma grande mobilização e conscientização da classe trabalhadora sobre esses temas e a realidade política do país.
As históricas manifestações do dia 21 de setembro ensinaram o caminho. A poderosa voz das ruas ressoou com força no Congresso Nacional e resultou no sepultamento da chamada PEC da Blindagem pela Comissão de Justiça e Constituição do Senado cinco dias depois, assim como na aprovação do projeto que isenta quem ganha até R$ 5 mil do Imposto de Renda, por unanimidade, na Câmara Federal.