Conatrae e entidades manifestam preocupação após avocação do Ministro do Trabalho em caso envolvendo JBS

Na tarde desta quinta-feira (02), a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), da qual a Comissão Pastoral da Terra (CPT) é membro titular, divulgou uma manifestação assinada por mais de 60 entidades parceiras, sobre a decisão envolvendo o processo contra o grupo JBS por trabalho escravo, no Rio Grande do Sul.

O documento expressa profunda preocupação e é resultado da reunião da Conatrae no dia 25 de setembro, após o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, assumir o processo administrativo contra a Seara/JBS Aves. A ação é inédita e “contraria normas nacionais e internacionais, decisões do Supremo Tribunal Federal e compromissos internacionais estabelecido pelo país”, podendo impedir que a empresa seja inserida na “Lista Suja” do trabalho escravo.

Leia a manifestação:

MANIFESTAÇÃO DOS PARCEIROS DA CONATRAE REFERENTE À AVOCAÇÃO DO MINISTRO DO TRABALHO E EMPREGO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO ENVOLVENDO A JBS AVES LTDA

A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – CONATRAE, por meio de suas entidades e instituições integrantes e parceiras, vem manifestar sua profunda preocupação com a avocação ministerial do processo administrativo envolvendo a JBS Aves Ltda., que poderia resultar na inclusão da empresa no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo.

A decisão de avocação, fundamentada no parecer da CONJUR/MTE nº 02876/2025, baseou-se explicitamente em critérios econômicos, já que leva em consideração o “porte e relevância econômica da empresa envolvida”. A iniciativa ministerial estabelece um perigoso precedente para que a capacidade econômica do infrator influencie o tratamento administrativo dispensado pela fiscalização do trabalho.

A avocação do Ministro do Trabalho e Emprego contraria normas nacionais e internacionais, decisões do Supremo Tribunal Federal e compromissos internacionais estabelecido pelo país, como descrito a seguir:

I.  Sobre VIOLAÇÃO DE NORMAS NACIONAIS

São princípios elementares da Administração Pública, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência (Constituição da República de 1988, artigo 37), e a correta condução dos procedimentos administrativos, uma proteção evidente contra o abuso de poder e a violação do ordenamento jurídico. Segundo o jurista Jorge Luiz Sotto Maior, “a avocação é um atentado explícito ao Estado Democrático de Direito. Ao chamar para si o procedimento, o Ministro afronta a legalidade, vez que não possui um fundamento legal válido para tanto; quebra o princípio da impessoalidade, pois a sua ação tem um destinatário específico; afronta a moralidade, pois a justificativa utilizada é uma explicitação de favoritismo; anula o preceito básico da publicidade e joga por terra toda lógica de eficiência dos atos fiscalizatórios”.

O atual Regulamento da Inspeção do Trabalho é cristalino ao afirmar que: “é vedado às autoridades de direção do Ministério do Trabalho e Emprego: interferir no exercício das funções de inspeção do trabalho ou prejudicar, de qualquer maneira, sua imparcialidade ou a autoridade do Auditor-Fiscal do Trabalho” (artigo 19, inciso II do Decreto n.º 4.552, de 27 de dezembro de 2002). Tal interferência prejudica frontalmente o poder de polícia administrativa da auditoria fiscal ao passo em que nega a responsabilização do empregador pelos autos de infração lavrados no cumprimento de obrigações legais.

II.  Sobre VIOLAÇÃO DE NORMAS INTERNACIONAIS

 A avocação do Ministro do Trabalho e Emprego configura flagrante violação do artigo 6º da Convenção

81 da OIT, ratificada pelo Brasil, que estabelece que “o pessoal da inspeção será composto de funcionários públicos cujo estatuto e condições de serviço lhes assegurem estabilidade nos seus empregos e os tornem independentes de qualquer mudança de governo e de qualquer influência externa indevida.”

A interferência política baseada na relevância econômica da empresa constitui exatamente a “influência externa indevida” vedada pela norma internacional, comprometendo a independência técnica essencial à eficácia da fiscalização do trabalho.

III.  Sobre PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O STF, na ADPF 489/DF, reconheceu que interferências políticas na publicação da Lista Suja constituem “medidas administrativas que limitam e enfraquecem as ações de fiscalização” e “condicionam a eficácia de uma decisão administrativa a uma vontade individual de Ministro de Estado, que tem notório viés político.”

A avocação ora questionada reproduz exatamente o mesmo vício já censurado pelo Supremo Tribunal Federal.

Ademais, na ADPF 509 o Supremo reconheceu a constitucionalidade da Lista Suja e sua importância como instrumento de combate ao trabalho escravo.

IV.  Sobre COMPROMISSO INTERNACIONAL DO BRASIL

 A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil, instou o Estado brasileiro a “continuar incrementando a eficácia de suas políticas e a interação entre os vários órgãos vinculados ao combate da escravidão no Brasil, sem permitir nenhum retrocesso na matéria.”

A presente avocação representa claro retrocesso na política pública de combate ao trabalho escravo, ao permitir que critérios econômicos e políticos se sobreponham à aplicação técnica e impessoal da lei.

Diante do exposto, as entidades abaixo assinadas:

  1. REPUDIAM a utilização de critérios de oportunidade econômica como fundamento para interferência política em processos técnicos da inspeção do trabalho;
  2. ALERTAM para o grave precedente estabelecido, que pode comprometer a integridade do sistema brasileiro de combate ao trabalho escravo;
  3. REAFIRMAM a importância da autonomia técnica da fiscalização do trabalho como elemento estruturante da proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores;
  4. EXORTAM as autoridades competentes a preservarem a independência da inspeção do trabalho, conforme determinado pelas normas internacionais ratificadas pelo Brasil;
  5. SOLICITAM que sejam adotadas medidas para garantir que a política nacional de erradicação do trabalho escravo não sofra retrocessos em razão de interferências políticas baseadas em critérios econômicos.
  6. EXORTAM o Ministro do Trabalho e Emprego para que revogue o despacho ministerial n°3010/2025 determinando a avocação ministerial do processo administrativo 14152.076070 / 2025-76.

A proteção contra o trabalho escravo constitui obrigação erga omnes do Estado brasileiro, não podendo estar sujeita a cálculos políticos ou econômicos que comprometam sua efetividade.

 

Brasília, 25 de setembro de 2025.

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