A estridente oposição do empresariado ao fim da desumana escala 6×1 e redução da jornada de trabalho sem redução de salários não constitui uma novidade na história do capitalismo e lembra a afirmação do pensador alemão Karl Marx de que a regulação da jornada de trabalho é fruto de uma luta multissecular entre trabalhadores e capitalistas.
No capítulo 8 do livro 1 de sua obra-prima, O capital, Marx aborda a história dessas batalhas na Inglaterra, quando a classe trabalhadora contou com o apoio de relevantes aliados, com destaque para os inspetores de fábrica, e também explorou a contradição entre a buruesia e a aristocracia no Parlamento.
Leia abaixo um pequeno trecho dessa abordagem:
“Os anos 1846-1847 marcaram época na história econômica da Inglaterra. Revogaram-se as leis dos cereais, aboliram-se as tarifas de importação de algodão e outras matérias primas, proclamou-se o livre-câmbio como estrela-guia da legislação! Em suma, foi a chegada do milênio.
Por outro lado, nesses mesmos anos o movimento cartista e a agitação pela Lei das 10 Horas atingiram seu auge. Eles encontraram aliados nos tories, ávidos por vingança. Apesar da resistência fanática do exército dos livre-cambistas perjuradores, liderados por Bright e Cobden, a Lei das 10 Horas, por tanto tempo almejada, foi aprovada pelo Parlamento.
A nova lei fabril de 8 de junho de 1847 determinou que, a partir de 1º de julho de 1847, haveria uma redução preliminar da jornada de trabalho dos “jovens” (de 13 a 18 anos) e de todas as trabalhadoras para 11 horas, e que, em 1º maio de 1848, entraria em vigor a limitação definitiva em 10 horas. De resto, a lei não era mais que uma emenda às leis de 1833 e 1844.
O capital deu início, então, a uma campanha prévia para impedir a plena aplicação da lei em 1º de maio de 1848. E caberia aos próprios trabalhadores, supostamente escaldados pela experiência, ajudar a destruir sua própria obra. O momento fora habilmente escolhido. Deve-se recordar que, em consequência da terrível crise de 1846-1847, abateu-se uma grande miséria entre os trabalhadores fabris, já que muitas fábricas passaram a operar apenas em tempo reduzido, muitas delas estando completamente paralisadas.
Um número considerável de trabalhadores encontrava-se, assim, na mais difícil situação, e muitos deles endividados. Por essa razão, podia-se presumir, com um certo grau de certeza, que eles prefeririam uma jornada de trabalho mais longa, pois assim poderiam se recuperar das perdas passadas, talvez saldar suas dívidas, resgatar seus móveis da casa de penhores, repor os bens vendidos ou adquirir novas roupas para si mesmos e para sua família. Os senhores fabricantes tentaram agravar o efeito natural dessas circunstâncias por meio de uma redução geral dos salários em 10%. Isso se deu, por assim dizer, para celebrar o advento da nova era do livre-câmbio. Seguiu-se, então, mais uma redução de 81/3%, assim que a jornada de trabalho foi reduzida para 11 horas, e do dobro, assim que foi definitivamente reduzida para 10 horas. Onde as circunstâncias o permitiram, houve uma redução salarial de, no mínimo, 25% (143).
Sob condições tão favoravelmente preparadas, teve início, entre os trabalhadores, o movimento pela revogação da lei de 1847. Mentira, suborno, ameaça: nenhum meio foi poupado para esse fim, porém tudo em vão. Quanto à meia dúzia de petições em que os trabalhadores foram obrigados a se queixar de “sua opressão pela lei”, os próprios peticionários atestaram, em interrogatório oral, que suas assinaturas haviam sido obtidas à força. “Eles eram oprimidos, mas por algum outro que não a lei fabril”, conforme um relatório dos inspetores fabris. Como os fabricantes não conseguiam fazer com que os trabalhadores falassem o que eles queriam, eles próprios passaram a gritar ainda mais alto, na imprensa e no Parlamento, em nome dos trabalhadores.
Denunciaram os inspetores de fábricas como uma espécie de comissários da Convençãox, que sacrificavam impiedosamente os desditosos trabalhadores a seus delírios de reforma do mundo. Também essa manobra fracassou. O inspetor de fábrica Leonard Horner colheu, pessoalmente e por meio de seus subinspetores, inúmeros depoimentos de testemunhas nas fábricas de Lancashire. Cerca de 70% dos trabalhadores ouvidos declararam-se pelas 10 horas, uma porcentagem muito menor pelas 11 horas e uma minoria absolutamente insignificante pelas velhas 12 horas. A campanha prévia do capital malogrou, e a Lei das 10 Horas entrou em vigor em 1º de maio de 1848.
Fonte: vidaetrabalho