Reduzir a estatal à “empresa falida” e propor “privatizar ou fechar” é ignorar o papel social e estratégico da empresa.
A Folha de S.Paulo publicou recentemente editorial em que afirma: “a solução para os Correios é privatizar ou fechar”1. O texto é retrato fiel da visão econômica estreita que transforma tudo em ativo financeiro, e ignora o caráter público de serviços essenciais. Trata-se de ataque simplista da Folha.
Os Correios não são apenas empresa: são infraestrutura de Estado, tão estratégica quanto energia ou transporte. Com mais de 10,5 mil agências espalhadas pelos 5.570 municípios do Brasil, a estatal chega onde o mercado não chega — nos distritos rurais, nas comunidades amazônicas, nos sertões e nas periferias urbanas.
Chamar de “ineficiente” instituição que garante essa capilaridade é negar o próprio conceito de serviço público. O problema não está na estatal, mas na incapacidade de a elite econômica e midiática entender que lucro não é o único critério de eficiência social.
Lucro, prejuízo e o que a Folha não contou
É verdade que os Correios registraram prejuízo de R$ 2,6 bilhões em 2024, sobre receita bruta de R$ 19,5 bilhões, segundo o balanço da empresa. Mas omitir as causas desse resultado é falsear e distorcer o debate público.
Grande parte das despesas está ligada às obrigações legais de atendimento universal, passivos trabalhistas acumulados e congelamento tarifário em serviços de baixo custo.
Mesmo assim, a estatal continua entre as maiores operadoras logísticas da América Latina, processando milhões de encomendas por dia e sustentando boa parte do comércio eletrônico brasileiro.
Quando há lucro, esse retorna ao Tesouro Nacional, e não a acionistas. Isso significa que o resultado financeiro — positivo ou negativo — é parte de missão pública, e não indicador isolado de sucesso.
Quem ganha e quem perde com a privatização
A privatização interessa a grandes grupos de logística e fundos de investimento que enxergam nos Correios infraestrutura pronta, subvalorizada e altamente lucrativa. Ganham poucos — os compradores e investidores.
Mas perdem muitos: os brasileiros do interior, das periferias urbanas e das regiões ribeirinhas, para quem a agência dos Correios é o único ponto de presença do Estado.
Nesses lugares, os Correios não entregam apenas cartas: levam documentos, remédios, livros, vacinas e, em muitos casos, dignidade.
Quando o serviço postal vira negócio, o mapa da cidadania passa a ser desenhado pela rentabilidade. E o que não dá lucro deixa de existir.
O que aconteceu onde privatizaram
A retórica de que “privatizar é modernizar” não se sustenta na prática. Então vejamos:
• Reino Unido: a Royal Mail, privatizada em 2013, passou por greves, cortes e perda de qualidade. Em 2024, foi vendida para grupo estrangeiro, sob forte oposição popular.
• Nova Zelândia: a liberalização postal levou ao fechamento de centenas de agências e à alta nas tarifas em áreas rurais.
• Alemanha: a Deutsche Post sobreviveu como gigante global (DHL), mas abandonou o caráter público, priorizando rotas lucrativas e deixando o Estado subsidiar serviços locais.
Esses exemplos mostram que a privatização pode gerar lucro para poucos, mas raramente melhora o acesso para todos.
Onde o correio público segue forte
Nos países que combinam eficiência e compromisso social, o serviço postal permanece estatal:
• Canadá (Canada Post) – pública, lucrativa e moderna.
• Suíça (Swiss Post) – estatal, tecnológica e das mais eficientes do mundo.
• Austrália (Australia Post) – 100% pública, com superávit e missão social mantida.
• China (China Post) – estatal e estratégica, líder global em encomendas.
• Estados Unidos (USPS) – pública, essencial à democracia, responsável pelo voto postal e pela integração nacional.
Esses países mostram que serviço público eficiente não é sinônimo de empresa privada, mas de gestão competente e compromisso com a universalidade.
Alternativas reais à venda
A narrativa “privatizar ou fechar” é falsa. Há muitas alternativas viáveis:
• Fim do uso político da estatal, com gestão pública, técnica e orientada ao interesse da sociedade.
• Reestruturação administrativa, com auditorias independentes e metas públicas.
• Modernização tecnológica orientada ao e-commerce e à digitalização.
• Parcerias Público-Privadas, sem entregar o controle.
• Política tarifária equilibrada, que mantenha subsídios cruzados entre áreas lucrativas e deficitárias.
Esses caminhos preservam a soberania e modernizam o serviço — sem abrir mão da função social que o mercado jamais assumirá.
Privatização como ideologia
O discurso da Folha não é técnico — é ideológico. É o velho projeto neoliberal de reduzir o Estado, enfraquecer o público e ampliar o domínio do mercado.
Transformar o correio nacional em negócio é mais do que escolha econômica: é ato político contra a cidadania. É retirar do Estado o poder de integrar um País desigual e continental.
Por trás da palavra “eficiência”, o que se esconde é a velha agenda da entrega: lucros privatizados, perdas socializadas.
Correios públicos, país integrado
Os Correios são o elo entre o cidadão e o Estado. Privatizá-los seria retrocesso civilizatório.
A estatal precisa, sim, de gestão moderna e investimentos, mas não de liquidação. O que falta não é eficiência, é visão de País.
A Folha e os defensores da privatização confundem empresa com Nação. Os Correios não entregam apenas pacotes — entregam Brasil.
Para conter e barrar esse ímpeto privatista, governo, entidades sindicais, em particular as que representam os trabalhadores dos Correios, precisam se unir em torno das perspectivas e propostas elencadas acima.
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1 Solução para os Correios é privatizar ou fechar – Editorial Folha – https://www.brasilagro.com.br/conteudo/solucao-para-os-correios-e-privatizar-ou-fechar-editorial-folha.html – acesso em 25.10.25
Fontes consultadas:
Relatórios anuais da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) (2024); UPU (União Postal Universal); IBGE; The Guardian (Reino Unido, 2024); Financial Times (2023); OECD Postal Services Report (2023).
Informações: vermelho.


