Projeto foi criticado por pesquisadores, que entendem que o conjunto de leis favorece o desmatamento
O Congresso Nacional derrubou nesta quinta-feira (27) 56 dos 63 vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do chamado PL da Devastação. Na Câmara o placara ficou 295 a 167 pela derrubada dos vetos. Já no Senado o placar foi 52 a 15.
Entre os principais tópicos que voltam a valer está a simplificação para o licenciamento de atividades de médio potencial poluidor e a ampliação da LAC (Licença por Adesão e Compromisso), vista como uma das mais perigosas, já que dispensa análise prévia caso haja compromisso do empreendedor.
Segundo o governo federal, o veto impede que empreendimentos de risco significativo, como barragens de rejeitos, sejam submetidos a licenciamento simplificado sem a devida análise técnica.
Outros pontos que voltam são as regras mais restritas para as exigências de estudo de impacto e a diminuição da importância dos pareceres de órgãos responsáveis por territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação.
A derrubada dos vetos já era esperada pelo governo, que tentou negociar a manutenção de alguns tópicos. Ao todo, os congressistas do governo tentaram manter 31 vetos por meio de acordo, mas só conseguiram manter 11. Em agosto, o governo vetou 63 dos quase 400 dispositivos do projeto de lei 2159/2021, que altera as diretrizes do licenciamento ambiental no Brasil, flexibilizando normas e permitindo que diversas atividades, sobretudo no setor agropecuário, fiquem isentas de licença.
De acordo com a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, os vetos buscam garantir segurança jurídica e proteção ambiental ao país. O PL foi aprovado pelo Congresso em julho deste ano.
Também foram vetados os dispositivos que previam a transferência aos entes federados da responsabilidade por estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento, como porte, potencial poluidor, tipologias sujeitas a licenciamento, modalidades específicas de licenças e atividades passíveis de LAC.
A derrubada dos vetos foi uma derrota para o governo, que entende que esse conjunto de leis amplia a exploração ambiental.
Os vetos de Lula seguiram quatro critérios: garantir que o processo de licenciamento seja feito de forma correta, garantir os direitos dos povos indígenas e quilombolas, dar segurança jurídica a investidores e oferecer inovações sem colocar em risco a qualidade da análise ambiental.
Mesmo com a derrota expressiva, o governo conseguiu adiar os vetos relativos à Licença Ambiental Especial (LAE) a partir de um acordo com o Congresso. O tema é discutido em uma Medida Provisória (MP) apresentada pelo Executivo. Por isso, esse trecho ficou de fora da votação.
O objetivo da LAE é acelerar o licenciamento de obras consideradas estratégicas. O governo vetou principalmente pelo formato em que isso foi disposto no Congresso, com licença em fase única. O Executivo defende que se mantenha o modelo trifásico, no qual há uma licença prévia –para verificar se o projeto atende os requisitos ambientais– e uma licença de instalação, autorizando o início das obras. A terceira fase seria a licença de operação.
Além da LAE, outros seis tópicos serão discutidos em outro momento pelo Congresso.
Outro dispositivo criticado por movimentos ambientalistas é a emissão de licença para empreendedores com Cadastro Ambiental Rural (CAR). O PL ainda derruba trechos da Lei da Mata Atlântica e favorecem a criação de empreendimentos na região Norte.
Agora, a lei passa a valer de forma integral. O governo ainda estuda saídas. Uma delas é a edição de normas complementares. As outras opções estudadas poderiam aumentar a tensão com o Congresso, como a judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF) e a convocação de mobilizações.
Governo tentou barrar
A votação foi realizada um dia depois de um apelo feito pelo governo para a manutenção dos vetos. Em uma nota, o Executivo pediu que os vetos não fossem derrubados para “evitar um retrocesso ambiental, social e institucional”, que teriam impacto na vida das pessoas e na capacidade do Estado de orientar o desenvolvimento de forma “sustentável e juridicamente segura”.
Ainda de acordo com o Planalto, os vetos foram feitos a partir de avaliações técnicas e jurídicas “criteriosas” e reuniu debates da comunidade científica e de diversos setores da sociedade.
O governo agiu dessa forma considerando o preocupante cenário de desastres climáticos extremos, que impõem riscos às famílias, à economia e ao meio ambiente. A eventual derrubada dos vetos pode trazer efeitos imediatos e de difícil reversão, especialmente em um momento em que a sociedade sente os efeitos dos desastres de Mariana e Brumadinho e de catástrofes climáticas como as recentemente vividas no Paraná e no Rio Grande do Sul”, diz o texto.
A votação dos vetos já tinha sido adiada duas vezes a pedido do governo. Em novembro, o Planalto solicitou a mudança da data pela proximidade com a COP30. Já prevendo uma derrota, governistas entederam que a imagem do Brasil seria “manchada” com a aprovação de uma lei que reduz a proteção ao meio ambiente em meio a um evento tão importante para discutir justamente o combate à crise climática.
Tensão com o Congresso
A votação do PL da Devastação colocou à prova, mais uma vez, a relação entre governo e Congresso. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou durante a semana o rompimento com a liderança do PT na Casa Baixa, Lindbergh Farias (RJ), depois das discussões sobre o PL Antifacção.
Segundo Motta, o deputado petista não respeitou os debates e se “exaltou”. A atitude foi minimizada pelo próprio Lindbergh, que afirmou que ficaria preocupado se a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, não respondesse mais ele (os dois são namorados).
Já com o Senado a relação tensionou depois da indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Casa Alta, Davi Alcolumbre (União-AP), queria que o indicado fosse o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e começou a responder o governo com a votação de uma pauta-bomba e declarações por meio de interlocutores.
Durante a votação, Alcolumbre fez questão de reforçar que o PL da Devastação não se tratava de uma disputa política entre o Congresso e o governo.
“Deliberar sobre vetos presidenciais é parte essencial do processo legislativo. Qualquer tentativa de transformar isso em disputa política desconsidera o papel institucional do Congresso Nacional. A votação desse veto não é um gesto político isolado, é uma necessidade institucional”, afirmou.
O líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (PT-AP), ainda fez questão de tentar amenizar o clima e agradeceu, durante a votação, a postura de Alcolumbre de adiar a votação dos vetos como um gesto de “cordialidade”.


