A música de Lô Borges resiste ao tempo e ao desamor

Foto: reprodução.

Por Marcos Aurélio Ruy 

 

Quando morre um compositor da envergadura de Lô Borges (faleceu na segunda-feira, 3, aos 73 anos), num primeiro momento a tristeza se apossa de nossos corações. É como perder um ente muito querido e próximo, tamanha a penetração de suas canções em nossas mentes. 

Ainda adolescente lembro que o som do clube mais famoso na esquina mais famosa do Brasil, o Clube da Esquina, do qual Lô Borges foi um dos principais representantes, pegou quem gostava de música popular pelo seu andamento diferenciado. 

A turma do Clube da Esquina, explica Bruno Viveiros Martins, em seu livro Som Imaginário – a Reinvenção da Cidade nas Canções do Clube da Esquina (Editora UFMG), em 2012, mesclou em seu som “as raízes culturais negras, a tradição musical das cidades do interior mineiro, o diálogo com a canção latino-americana, o contato com os jazzistas norte-americanos, o acolhimento dos novos procedimentos sonoros criados a partir da bossa nova, além das influências do rock universalizadas pelos Beatles”. 

 Paisagem da Janela (Lô Borges e Fernando Brant) 

 https://www.youtube.com/watch?v=X-CmR4SHDK0 

 

Segundo ele, os artistas cantam o “lugar do encontro, da pluralidade de ideias e opiniões, do respeito à diferença e, acima de tudo, o lugar da constituição de um viver comum”, fazendo de cada canção “um ‘texto’ a ser analisado dentro de seu próprio mundo intelectual e político”. 

 

E Lô Borges talvez tenha sido o que mais personificou essa dinâmica. Como canta em Paisagem da Janela: “Mensageiro natural/De coisas naturais/Quando eu falava/Dessas cores mórbidas/Quando eu falava/Desses homens sórdidos/Quando eu falava/Desse temporal/Você não escutou”. 

 Era preciso escutar e tomar providência. O tempo passou e os homens sórdidos estão a solta matando gente no morro, mulheres dentro de casa, crianças e adolescentes com bombas ou não. 

 O som encantador com poesia política, firme e ao mesmo tempo delicada, até porque vivíamos uma ditadura e era necessário ter cuidado para sobreviver. 

 Para Lennon e McCartney (Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant) 

 https://www.youtube.com/watch?v=ayne–fU7yY&list=RDayne–fU7yY&start_radio=1 

 “Por que vocês não sabem do lixo ocidental?/Não precisam mais temer/Não precisam da solidão”. Como canta em Para Lennon e McCartney (1970), em parceria com o irmão Márcio Borges e Fernando Brant. Um grito de socorro. Somos da América do Sul que nessa época estava encoberta por ditaduras sanguinárias patrocinadas pelos Estados Unidos. 

 E porque todo dia é um novo dia seguimos no O Trem Azul cantando as “coisas que a gente se esquece de dizer/Frases que o vento vem às vezes me lembrar” e mesmo que não se podia dizer o que se queria com transparência, o recado fica claro quando as “coisas que ficaram muito tempo por dizer, mas na canção do vento, não se cansam de voar”. E como voou Lô Borges. 

 O compositor mineiro cantou a delicadeza e o amor sem perder a firmeza de se contrapor a toda ordem tirânica estabelecida, que fez sofrer, e muito, quem ouvia as suas canções e se sentia quase impotente para saber como mudar esse quadro, que finalmente ficou para trás e que jamais volte. 

 Assim “eu escuto no rádio do carro a nossa canção/Sol, girassol e meus olhos abertos pra outra emoção/E quase que eu me esqueci que o tempo não para nem vai esperar”. Por isso “todo dia é dia de viver”. 

 O Trem Azul (Lô Borges e Ronaldo Bastos) 

 https://www.youtube.com/watch?v=Jppq3wf1xyY&list=RDJppq3wf1xyY&start_radio=1 

 A obra de Lô Borges marcou e continua marcando a vida de muita gente, como se viu nas homenagens que o cantor e compositor recebeu nas esquinas de Belo Horizonte, a cidade que escolheu para viver. Gente de toda a idade. Emoção pura com essa perda irreparável. 

 Girassol da Cor do Seu Cabelo (Lô Borges e Márcio Borges) 

 https://www.youtube.com/watch?v=mr2D3Fgakrs&list=RDmr2D3Fgakrs&start_radio=1 

 Mas “se eu cantar não chore não, é só poesia/Eu só preciso ter você, por mais um dia/Ainda gosto de dançar, bom dia/Como vai você”? (Girassol da Cor do Seu Cabelo, 1972). Cantar as músicas de um autor tão singular e importante e tentar pôr em ação as suas propostas de atitude pode ser revolucionário nestes tempos de ódio, discriminação, ignorância e violência. 

 Por isso, a música de Lô Borges resiste ao tempo e ao desamor. Mais Lô Borges em nossas vidas é o que precisamos. E que retomemos todos os espaços públicos como sempre quis a turma do Clube da Esquina. 

 

 

 

 

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