Todos os anos, em fins de janeiro e princípios de fevereiro, uma pequena estação de esqui nos Alpes suíços, Davos, converte-se se não no centro do mundo, mas em algo parecido. Todos (ou quase todos) os líderes, empresários a mando de multinacionais, meios de comunicação globais e líderes políticos internacionais do planeta migram para suas reuniões de cúpula.
Para alguns, o Fórum Econômico Mundial é, sem dúvida, uma grande feira de vaidades. Para outros, um encontro excepcional, que não tem igual, por conseguir reunir, durante um punhado de dias, a maior concentração de presidentes e delegados conselheiros do mundo juntamente com os principais chefes de Estado e governo de cerca de 40 países. Em um ambiente relaxado, é possível cruzar e bater papo pelos corredores com nomes como Bill Gates, George Soros ou Tony Blair, todos eles presentes em edições anteriores.
A realidade de Davos provavelmente está entre esses dois extremos. O certo é que a edição de 2009 apresenta-se como excepcional, coincidindo com a maior crise econômica e financeira experimentada desde princípios do século passado. Este ano, viajarão a Davos mais de 40 chefes de Estado e um total de 2,5 mil líderes empresariais, políticos, acadêmicos e membros da sociedade civil. Os empresários (67% do total), da mesma forma que em anos anteriores, dominarão um encontro, antes de tudo, econômico e empresarial.
No total, mais de 90 nacionalidades estarão representadas, embora nem todas com a mesma densidade. Não é motivo de surpresa que os líderes procedentes dos Estados Unidos predominem (682 do total), à frente dos procedentes da Inglaterra (306), Suíça (206), Alemanha (134) e França (102), os cinco países com maiores representações. Estas nações encabeçam as classificações mundiais em termos de Produto Interno Bruto (PIB), concentrando respectivamente cerca de 21% do PIB mundial e mais de 3% para as duas primeiras.
Uma análise detalhada destes viajantes alpinos aponta os ganhadores e perdedores da globalização. Dessa forma, com a exceção de uma boa representação sul-africana, o continente africano, como em anos anteriores, será o grande ausente do compromisso. Participarão 42 líderes da África do Sul. A estes, somam-se alguns do Marrocos (18), Egito (12), Nigéria (10), Quênia (4) e Moçambique, Gana e Tunísia (1). No total, haverá apenas 60 pessoas provenientes do continente, ou seja, menos do que o total da representação de um país como a Índia (83 líderes no total, sem incluir os indianos que lideram empresas globais como Arcelor Mittal ou Pepsico ou os que estão em outros países).
Mais surpreendente ainda é a (relativa) escassa representação proveniente da América Latina, cuja delegação é, inclusive, inferior à representação africana assinalada logo atrás. Os latino-americanos possuem representação relativamente inferior a seu tamanho e peso. É o caso do Brasil, com apenas 18 líderes provenientes do país neste ano, e o México, com 21. À estes, somam-se outros 25 latino-americanos provenientes da região (Argentina, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Chile e Peru são as outras nações representadas). Argentina e Chile têm uma cota comparativamente menor do que a do Paquistão, Egito, Nigéria, Arábia Saudita e Kuait.
O caso da América Latina chama ainda mais a atenção se considerarmos que, com a exceção precisamente dos dois líderes regionais, Brasil e México, as outras grandes economias emergentes terão representações bem nutridas. A Índia domina, com 83 representantes, à frente da Rússia (55), China (43), Emirados (41), a já mencionada África do Sul (42), Arábia Saudita (31), Turquia (30) e Coréia do Sul (19). Claramente, nem todas as nacionalidades estão representadas de acordo com seu peso econômico ou a importância de suas empresas na esfera mundial.
Já mencionamos o caso da América Latina. Também seria possível argumentar que a delegação chinesa não está alinha com o peso internacional do país, já que sua representação é cerca de duas vezes menor do que a da Índia e pouco superior à dos Emirados ou África do Sul.
Provavelmente, o mais interessante em Davos não está nas sessões e conferências, mas na capacidade do evento para convocar e concentrar, em um punhado de dias, toda uma série de líderes que fazem e desfazem as agendas e relações mundiais, tanto econômicas como políticas. A partir deste ponto de vista, Davos é um lugar de encontros, de "networking", como diriam os anglo-saxões, excepcional. Mas também é uma ocasião única para verificar a pulsação dos assuntos do mundo. Em 2008, os fundos soberanos e as multinacionais de países emergentes – principalmente da Índia, China e Rússia – dominaram os debates. Em 2009, a crise monopolizará todos os debates e reflexões. Todos eles, fundos soberanos, multinacionais de países emergentes ou a crise mundial, são temas de grande relevância para as economias latino-americanas.
Esperamos que em 2010, não apenas tenhamos saído da crise, mas que também, além disso, a América Latina também esteja mais presente em Davos ou, em todo caso, mais presente de acordo com o tamanho exigido por suas empresas e economias. A presença de três países latinos em um fórum como o G-20, que cobra cada vez mais importância, convida a pensar que a América Latina também poderia ter mais presença em espaços como Davos.
* Javier Santiso é diretor do Centro de Desenvolvimento da OCDE.
Artigo publicado originalmente no Valor Econômico (27/01)