Contando um caso

A experiência da Rede de Rádios do Movimento Sindical dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais no Brasil

Mantida e formada por emissoras e programas feitos inteiramente por trabalhadores e trabalhadoras rurais, a rede de rádios da Contag foi criada em 1993 e tornou-se uma experiência inédita junto ao movimento sindical.

No final de 2003, quando fomos convidados pela direção da Contag a escrever um texto sobre a experiência com comunicação que ajudamos a desenvolver junto à Confederação, na revista comemorativa dos seus 40 anos, imediatamente nos veio à mente relatar o passo a passo desta experiência inédita junto ao movimento sindical. Este texto é parte do que apresentamos, à época, para publicação.
O produto mais visível da estratégia de comunicação que adotáramos durante mais de dez anos era o programa de rádio A Voz da Contag. Mas havia um outro produto mais sentido do que visto, que foi a montagem e a gestão da própria rede de rádios do Sistema Contag de Comunicação.

De abrangência nacional, essa rede de rádios e os programas foram concebidos para que a direção da Contag pudesse “costurar” sua relação de comunicação com os Sindicatos e Federações de Trabalhadores Rurais. A experiência constituiu-se em um exemplo único no Brasil e na América Latina de uma comunicação sindical sistêmica, sonora, vivenciada através de uma rede de parceria e cooperação e de absoluto respeito às realidades regionais e locais.

Isso porque os programas de rádio da Contag não existiam sozinhos; eles eram materiais de apoio aos programas de rádio locais e caracterizavam-se editorialmente por fornecer informações nacionais contextualizando as políticas praticadas no movimento sindical da categoria e por municiar os comunicadores locais com elementos nacionais.

Como tudo começou

Em setembro de 1992, a Contag desafiou a equipe da OBORÉ a fazer um programa de rádio para distribuição junto às emissoras e aos sindicatos que já tinham seus próprios programas de rádio, em todo o Brasil. O objetivo era construir um programa com voz nacional de onde sairiam mensagens do Nordeste em direção ao Sul do Brasil, do Sul em direção ao Nordeste, do Centro Oeste em direção ao Sudeste, do Sudeste em direção ao Norte e assim de todos as regiões para todas as outras.

O Sul deveria saber como os agricultores do Nordeste estavam organizados; o Sudeste deveria saber o que o Norte estava fazendo e assim por diante. Para a Contag, a boa comunicação era a que possibilitava costurar a capacidade de mobilização nacional visando ao mesmo propósito, ou seja, o de unir diferentes grupos levando a mensagem regional a nível nacional e vice-versa.

Começou, assim, o desafio de criação editorial dos programas e o início da construção de um sistema que se tornaria, anos depois, uma grande rede de rádios mantida e formada por programas coordenados inteiramente por trabalhadores e trabalhadoras rurais, articulada e legitimada por seus sindicatos e federações.

A estréia

O programa A Voz da Contag foi ao ar pela primeira vez no dia 1º de Maio de 1993. Com produção e distribuição semanal, o conteúdo dos programas era montado para auxiliar os radialistas e comunicadores nos seus comentários ao vivo, ou na programação jornalística da emissora.

Pesquisas periódicas junto aos sindicatos e emissoras apontavam que as fitas cassetes e os cds com os materiais sonoros eram usados de muitos jeitos: além de aproveitados nos próprios programas, também eram utilizados em reuniões na comunidade, no município, no Sindicato, nas Cooperativas, Associações, nas reuniões de Paróquia ou Escolas.
Os Sindicatos de Trabalhadores Rurais que já participavam de uma rádio comunitária, usavam parte do espaço da rádio retransmitindo quase a totalidade do CD. Isso se dava porque, como uma rádio comunitária é mantida e gerida por uma associação de entidades, o Sindicato também era “dono” da emissora e podia decidir quanto do tempo da rádio poderia ser dedicado aos temas de seu interesse.

Comunicação para prevenir acidentes

Em agosto de 1996, quando entrou em vigor o convênio ‘Comunicação Em Legítima Defesa da Vida’ com a FUNDACENTRO, A Voz da CONTAG passou a transmitir mensagens de prevenção de acidentes. Assim, todos os veículos e emissoras do Sistema CONTAG de Comunicação passaram a colaborar com a organização da 1ª etapa do projeto. Foram realizados oito Seminários de Comunicação , Segurança e Saúde dos Trabalhadores Rurais em Viamão , Fortaleza, Carpina, Belo Horizonte, Curitiba, Manaus, Porto Alegre e Campo Grande alcançando praticamente todas as Federações e os STRs com programas de rádio.

O convênio viabilizou ainda a produção de 30 spots sobre prevenção de acidentes na área rural que deram à CONTAG e à OBORÉ o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos – 1997.

Em 1999, a OBORÉ enquanto gestora da Rede de Rádios do Sistema CONTAG de Comunicação foi reconhecida e agraciada com o Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo /99 – categoria Rádio Destaque Nacional.

Crescimento garantido

Quando encerramos nosso contrato de trabalho com a Contag, em setembro de 2003, os programas eram distribuídos para 188 Sindicatos (dos quais 79 com programas de rádio).

Importante destacar que foram mais de 500 edições produzidas e distribuídas semanalmente, nos quase onze anos de trabalho contínuo, sem jamais falhar uma semana sequer. Recebiam também os programas uma listagem especial incluindo todas as Federações, grandes nomes do jornalismo brasileiro, entidades parceiras da CONTAG, ONGs e personalidades do mundo político, econômico e sindical. Todo esse capital de relações foi transferido para a nova equipe de produção dos programas, que inclusive herdou a responsabilidade de dar vez e voz aos trabalhadores e trabalhadoras rurais dos quatro cantos do nosso país.

De acordo com levantamento realizado junto à CONTAG, às FETAGs e aos STRs durante o 8º Congresso (Brasília, março de 2001), o Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais contavam com 689 programas de rádio. Isso sem contar a miríade de rádios comunitárias que se legalizaram nos últimos anos e que ainda estão nascendo, fruto das recentes concessões do Ministério das Comunicações. Portanto, é clara a perspectiva de crescimento da Rede e das vozes que a compõem.

Mas, por quê o rádio?

O rádio deve ser parte fundamental de qualquer projeto de divulgação que objetive atingir a população carente de informação e que necessite ser mobilizada para participar dos processos de Desenvolvimento Local Sustentável. O mesmo podemos afirmar quando analisamos a potencialidade de um Sistema de Comunicação como o da Contag, constituído por uma rede de rádios, programas de rádio, jornais, boletins, Agência de Notícias e assessoria à imprensa , aliado ao fato de que grande parte dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais já tem representação nos respectivos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Local. Juntos, mais do que nunca se tornam valorosos e indispensáveis instrumentos de divulgação e conscientização social para as ações de desenvolvimento local sustentável.

Dados sobre os programas dos STRs

– 50 % vão ao ar nos fins de semana
– 75% dos programas têm menos de 30 minutos
– 70% são semanais
– 60% estão no ar há mais de 3 anos
– 30% já passaram dos 10 anos de existência
– 85% dos STRs pagam para ter espaço nas emissoras
– 90% deles pagam até 2 salários mínimos, mensalmente, pelo horário na emissora
– 60% não têm patrocinadores externos ou anúncios
– 70 % já dispõem de gravador para realizar entrevistas
– 65 % dos que produzem os programas nunca tinham feito qualquer curso na área

Sérgio Gomes é jornalista e um dos fundadores da OBORÉ, em 1978. Atua na área da imprensa alternativa, comunitária e popular.

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