Desenvolvimento desigual das nações tirou o sentido do G8

Parece que o G8 está com os dias contados. O grupo, que reúne as sete maiores potências capitalistas (EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá) mais a Rússia, já não faz mais sentido na atualidade. Tal fato foi admitido pelo próprio presidente dos EUA, Barack Obama.

“Uma coisa que é absolutamente verdade é que parece ser errado pensarmos que podemos de alguma forma lidar com alguns desses desafios globais sem grandes potências como China, Índia e Brasil”, disse Obama durante entrevista coletiva na Itália.

Ao longo dos anos, o crescimento desigual das nações acabou alterando a correlação de forças internacional, promovendo a ascensão de nações que antes eram consideradas subdesenvolvidas ou do “Terceiro Mundo”. A China merece todo destaque neste sentido.

Ascensão da China

A mais próspera nação do mundo teve um crescimento ininterrupto da ordem de 10% ao ano desde 1978 e alcança a posição de segunda maior economia do mundo quando tem o valor de sua produção (PIB) avaliado pelo critério de Paridade de Poder de Compra, referência que, de resto, é muito mais realista do que o combalido padrão dólar.

A expansão chinesa também foi projetada com força para o exterior, através do comércio e dos investimentos. O país está a caminho de se transformar no maior exportador mundial. Já ultrapassou os EUA neste ranking e tende a deslocar a Alemanha do primeiro lugar, embora esteja hoje amargando os efeitos da contração da demanda mundial.

Vulnerabilidade dos EUA

Além disto, o país acumulou reservas no valor de 2 trilhões de dólares (as maiores do globo), graças ao superávit comercial e aos investimentos dos estrangeiros que pegaram carona no seu extraordinário crescimento. A acumulação de reservas transformou a China em grande investidora internacional e na maior credora dos EUA, que já não conseguem fechar suas contas e sustentar o padrão dólar (e o parasitário american way of life) sem o concurso do dinheiro administrado pelo banco central chinês. A necessidade de financiamento externo deixou o império vulnerável.

A ascensão chinesa é, sem dúvidas, o fenômeno mais significativo em curso na economia internacional ao longo dos últimos anos, conforme notou o economista Delfim Netto em recente artigo publicado na “Carta Capital”.  O país, que é dirigido pelo Partido Comunista, já não pode ser ignorado pelos “líderes mundiais”.

Índia e Brasil

A Índia também se tornou uma potência emergente em função do crescimento desigual (a uma taxa média de 7% a.a nos últimos anos). Já o Brasil, embora enfraquecido pela “crise do desenvolvimento” instalada nos anos 1980 após a eclosão da crise da dívida externa (que fez o crescimento do PIB desabar de uma média anual de 7% para pouco mais de 2% e a renda per capita estagnar), é um país industrializado, com um PIB expressivo e vem crescendo em influência e prestígio na América e Latina e no mundo no governo Lula.

“Embora o Brasil tenha pouco menos de 2% da produção mundial e não tenha nem 1,5% do comércio mundial, é uma economia politicamente estratégica para o equilíbrio da América do Sul. Faz falta um país como o Brasil no centro de negociações internacionais”, na opinião do professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Márcio Holland. Por enquanto, isto não significa que deixamos de ser um país da “periferia” e nos transformamos em potência.

Parasitismo

Enquanto China e Índia crescem à base de 10% e 7% ao ano, as potências ditas ocidentais (EUA, União Europeia e Japão) patinam, exibindo taxas de expansão medíocres, em torno de 2% ao ano. Corrompidos pelo parasitismo econômico, os países que compõem o centro do imperialismo mundial perderam o dinamismo e viram o poder econômico, que ainda tem origem na indústria (e não nas finanças), se deslocar do Ocidente para o Oriente.

As mudanças silenciosas decorrentes do desenvolvimento desigual das nações são hoje um fato incontestável, que não deixou de ser percebido pelos “líderes mundiais”. Estes já começaram a admitir a morte do G8. A reunião realizada na Itália nesses dias é uma prova disto, entre outras. O G5 (China, Índia, Brasil, África do Sul e México) foi convidado pelos grandes de outrora, que agora já falam abertamente em G14.

Um mundo em transição

Até o neofascista Silvio Berlusconi, primeiro-ministro da Itália, reconheceu a necessidade de mudança. “No que me diz respeito, o G14 é o formato com que no futuro teremos a melhor possibilidade de tomar as decisões mais importantes sobre a economia global, e não somente isso”, disse. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, foi no mesmo rumo. “Vamos colocar o G14 em evidência em 2011, quando a França assumir o G8”, afirmou.

Associado ao parasitismo das nações imperialistas, o desenvolvimento desigual colocou em curso no mundo um processo de transição para uma nova ordem internacional. “Estamos em um período de transição”, admitiu Obama. A crise contribuiu para evidenciar tal acontecimento e também tende a aprofundar a tendência, pois tudo indica que o BRIC vai se sair bem melhor da turbulência que as tradicionais potências capitalistas. Porém, as opiniões a respeito do que virá em substituição à velha e decadente ordem mundial não são convergentes.

A simples adição do G5 ao G8, criando-se o G14, não vai resolver a crise da hegemonia americana. Será preciso muito mais do que isto, começando pelo fim do padrão dólar e a instituição de um novo SMI (Sistema Monetário Internacional), conforme reclama o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Os Estados Unidos certamente não concordam com isto, o que sugere que o caminho nesta direção não será pacífico e não estará livre de riscos e conflitos.


Umberto Martins é jornalista e editor do Portal CTB

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