O passe e o gol no futebol e no sindicato

Recentemente, o médico e ex-jogador de futebol Tostão escreveu um artigo na Folha de São Paulo, intitulado ” O drible, o passe e o gol”. Tostão, que jogou no time do Brasil campeão mundial de 1970, foi considerado um dos maiores jogadores de futebol da época, ao lado de tantos outros como Clodoaldo, Jairzinho, Gerson, Rivelino e o inigualável Pelé. Na época, o Brasil vivia sob as garras de uma terrível ditadura, tendo a frente o General Medici, que se destacou por implantar o período mais violento do regime militar no Brasil. Foi implacável contra todos os democratas que se opunham ao regime imposto através do Golpe Militar de 1964. O Governo Medici utilizou-se do futebol brilhante que a seleção brasileira apresentava para encobrir as mazelas do regime. Fazia todo o possível para que os brasileiros considerassem que o Brasil ia muito bem porque era campeão mundial de futebol, ocu ltando , através de uma censura implacável, a brutal repressão que ocasionou um período de terror, com muitas pessoas sendo torturadas e mortas. E tentando ocultar também a desigualdade social e econômica, com o capital concentrado nas mãos de minorias, enquanto grande parte da população vivia em situação de miserabilidade. 

No artigo escrito a que me referi acima, Tostão afirma que o atleta  precisa praticar bem as habilidades básicas – passe, drible, finalização, desarme e cruzamento – para atingir um bom nível de atuação enquanto jogador de futebol. Diz também que ” nenhum talento individual é suficiente se o atleta não tiver também talento coletivo e ótimas condições físicas e emocionais”. Para Tostão, “talento coletivo é a capacidade de se adaptar às características dos companheiros e de ter a consciência de que o brilho individual depende do brilho coletivo”. 

Ao ler esse artigo, fiquei refletindo a respeito das entidades sindicais. Será que os sindicalistas , na sua maioria, têm as habilidades básicas para desenvolver um trabalho adequado? Têm a atenção voltada para  dar um passe adequado para o companheiro ou a companheira que está melhor posicionado para marcar o gol? Conseguem organizar e mobilizar os trabalhadores e as trabalhadoras para driblar os patrões e desarmá-los?   Será que procuram atuar coletivamente, colaborando  para que o time seja vitorioso nas ações que desenvolvem? Será que a ansiedade de se sobressair individualmente em relação aos demais não atrapalha as ações coletivas do time? Será que há uma valorização adequada das ações individuais, mesmo que não sejam as mais decisivas?  Tostão diz que valoriza mais os passes excepcionais de Hernanes do São Paulo contra o Grêmio e de Cleiton Xavier do Palmeiras contra o Fluminense, do que os gols marcados respectivamente por Dagoberto e Diego Souza na sequência desses  passe s . Muitas vezes, nas entidades sindicais, há aqueles que trabalham muito, mas não são aqueles que mais aparecem, não são os goleadores do time.

Assim como no futebol, muitas vezes nos sindicatos ressaltamos as ações conclusivas de alguns e nos esquecemos que , para chegarmos a aquelas ações, foi necessário um trabalho coletivo de muitos. ” O passe é o mais solidário dos fundamentos técnicos do futebol”…” é  a união , a ponte entre o individual e o coletivo, entre o desejo, a ambição e a razão.” Devemos valorizar os passes importantes dos funcionários das entidades, daqueles diretores que não ocupam os cargos principais, daqueles que entraram há pouco tempo na diretoria e que estão apreendendo os primeiros passos. E devemos sempre estar voltados para que os trabalhadores e as trabalhadoras em geral entrem efetivamente no nosso time e que também consigam dar passes importantes, façam bons cruzamentos e marquem inúmeros gols. Juntamente c om outros times , bem estruturados, de entidades sindicais, de partidos progressistas e do movimento social em geral  haveremos , com muito esforço e técnica, mobilização e organização, de derrotar os times das minorias opressoras .Com o sucesso do brilho coletivo, haverá o sucesso dos brilhos individuais. E  assim abriremos novos horizontes para acabar com a exploração e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida de todos os brasileiros e brasileiras, que é claramente o que mais nos interessa.

Augusto César Petta é professor, sociólogo e Coordenador Técnico do Centro de Estudos Sindicais – CES

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