Cercando a Venezuela

A chegada ao poder, na Venezuela, do presidente Hugo Chávez, em 2 de fevereiro de 1999, coincidiu com um acontecimento militar traumático para os Estados Unidos: o fechamento de sua principal instalação militar na região (a Base Howard), localizada no Panamá.

Em substituição, o Pentágono escolheu quatro localidades para controlar a região: Manta, no Equador, Comalap, em El Salvador e as ilhas de Aruba e Curaçao (de soberania holandesa).

Às suas “tradicionais” (por assim dizer) missões de espionagem, os Estados Unidos somaram novos ato oficiais a essas bases, como vigiar o narcotráfico e combater a imigração clandestina, além de tarefas “encobertas”, como o controle dos fluxos de petróleo e minérios, os recursos de água doce e a biodiversidade. Mas desde o princípio seus principais objetivos foram vigiar a Venezuela e desestabilizar a Revolução Bolivariana.

Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o Secretário norte-americano de Defesa, Donald Rumsfeld, definiu uma nova doutrina militar para enfrentar o “terrorismo internacional”. Modificou a estratégia de manter bases enormes dotadas de numeroso pessoal, decidindo substituir essas megabases por um número muito mais elevado, com pouco militares, mas equipado com tecnologias ultramodernas.

Resultado: em pouco tempo, a quantidade de instalações militares estadunidenses ao redor do mundo se multiplicou, alcançando a insólita soma de 865 bases, em 46 países. Nunca, em toda a história, uma potência multiplicou de tal modo seus postos militares de controle em todo o planeta.

Na América Latina, essa tática já permitiu que a base de Manta, no Equador, colaborasse com o falido golpe de Estado de 11 de abril de 2002, contra o presidente Chávez. A partir de então, uma campanha midiática dirigida por Washington começa a difundir falsas informações sobre a pretendida presença nesse país de células de organizações como o Hamás, o Hezbolá e até a Al Qaeda.

Com o pretexto de vigiar tais movimentos, e em represália contra o governo de Caracas — que pôs fim, em maio de 2004, a meio século de presença militar estadunidense na Venezuela —, o Pentágono amplia o uso de suas bases militares nas ilhas de Aruba e Curaçao, situadas muito próximas da costa venezuelana, onde ultimamente se incrementaram as visitas de navios de guerra dos Estados Unidos.

Atitude essa que foi recentemente denunciada por Chávez: “É bom que a Europa saiba que o império norte-americano está armado até os dentes, enchendo de aviões de guerra e de barcos de guerra as ilhas de Aruba e Curaçao”.

Em 2006, se começa a falar em Caracas do “socialismo do século 21”, nasce a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) e Chávez é reeleito presidente. Washington reage impondo um embargo sobre a venda de armas à Venezuela, sob o pretexto de que Caracas “não colabora suficientemente na guerra contra o terrorismo”. Os aviões F-16 da Força Aérea venezuelanas ficam sem peças de troca. Ante essa situação, as autoridades venezuelanas estabelecem um acordo com a Rússia para dotar sua Força Aérea de aviões Sukhoi. Washington denuncia um “rearmamento massivo” da Venezuela, omitindo o fato de que os maiores orçamentos militares da América Latina pertencem ao Brasil, à Colômbia e ao Chile — sem contar o fato de que, a cada ano, o governo colombiano recebe uma ajuda militar dos EUA de US$ 630 milhões.

A partir desse ponto, as coisas se aceleram. Em 1º de março de 2008, ajudadas pela base de Manta, as forças colombianas atacam um acampamento das Farc situado no território do Equador. Quito, em represália, decide não renovar o acordo sobre a base de Manta, expirado em novembro de 2009. Washington responde, no mês seguinte, com a reativação da IV Frota (desativada em 1948), cuja missão é vigiar a costa Atlântica da América do Sul. Um mês mais tarde, os países sul-americanos, reunidos em Brasília, replicam criando a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e, em março de 2009, o Conselho de Defesa Sul-Americano.

Poucas semanas depois, o embaixador dos Estados Unidos em Bogotá anuncia que a base de Manta será realocada em Palanquero, na Colômbia. Em junho, com o apoio da base estadunidense de Soto Cano, vem à tona o golpe de Estado em Honduras contra o presidente Manuel Zelaya, logo após deste ter inserido seu país na Alba. Em agosto, o Pentágono anuncia que terá mais sete novas bases militares disponíveis na Colômbia. E em outubro o presidente do Panamá, Ricardo Martinelli, admite que cedeu aos EUA o uso de quatro novas bases militares.

Desse modo, a Venezuela e sua revolução se vêem rodeadas por nada menos do que 13 bases estadunidenses, situadas na Colômbia, Panamá, Aruba e Curaçao, assim como pelos porta-aviões e navios de guerra da IV Frota. O presidente Obama parece ter deixado o Pentágono com as mãos livres. Tudo anuncia uma agressão iminente. Consentiram os povos que se cometa um novo crime contra a democracia na América Latina?

Texto publicado originalmente no Le Monde Diplomatique, reproduzido em espanhol no Rebelión e traduzido por Fernando Damasceno.


Ignacio Ramonet é jornalista, autor de diversos livros — como “Fidel: biografia a duas vozes” —e diretor-presidente do Le Monde Diplomatique.

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