Era noite de 25 de dezembro, início da década de 70, quando o militante do MR8 resolveu contrariar as orientações de seus dirigentes e foi passar o natal com sua esposa, sua filha de 2 anos e o filho de poucos meses de vida. A saudade da prole o corroia e isso lhe pareceu mais agudo do que o receio de ser flagrado pela repressão.
Claro que ele examinou algumas consequências, conjeturou alguns cuidados. Por isso mesmo, não haveria nenhuma grande badalação na casa. Seria uma celebração simples. Um jantar em companhia das pessoas que lhe eram tão caras, apenas. Além disso, esperou a noite cair para chegar a casa com maior discrição. Entrou pelos fundos. Vestiu-se de preto, a barba já lhe tomava todo o rosto, usou chapéu e óculos para dificultar o reconhecimento.
Tudo certo. Levou três embrulhos para presentear seus amores. Sem alarde jantavam. Apenas uma luz discreta na cozinha iluminava todo o ambiente. Não havia música, rádio e nem televisão ligados. Falavam baixo.
Mesmo assim, às 23h30min, a porta da residência foi estourada. A mulher mal conseguiu agarrar-se as duas crianças que choravam assustadas. Os homens invadiram a casa munidos de revólveres, baionetas e cassetetes. Numa gritaria foram quebrando tudo o que viam pela frente. Abaixo de violência dominaram o homem, lhe puseram algemas e o jogaram na caminhonete “Veraneio” de cor verde-oliva.
Somente deixaram a mulher com as duas crianças inteiras, mas fizeram questão de alertá-la: Se ela tinha algum amor aos filhos, que não se envolvesse mais com “esses subversivos”. E que sumisse de Curitiba.
No dia seguinte a notícia que aparecera acerca do caso era de que haviam prendido um violento ladrão de bancos. A mulher e os filhos tentaram buscar informações, mas um advogado, amigo da família, aconselhou-a a fugir do Paraná, pois poderiam fazer mal às crianças.
Ela vendeu a preço de bananas o que sobrara inteiro no mobiliário da casa, juntou algumas roupas, seus filhos e partiu para o Rio Grande do Sul, deixando para traz a casa e o marido acusado de ladrão. Sempre que havia alguma brecha tentava obter alguma notícia. Em vão. Nunca mais soube dele. Aliás, ninguém nunca mais o viu desde aquele natal.
Quase 40 anos depois, a imprensa diz que é “revanchismo” a constituição de uma Comissão da Verdade, que pudesse acalmar o coração daqueles filhos que, ainda bebês, tiveram seu pai arrancado do seio da família na noite de natal.
Sônia Corrêa é jornalista