O Pré-sal e o terceiro ciclo civilizacional do Brasil

“Debatendo com a Princípios” com o tema “a energia e o desenvolvimento urbano” e lendo os artigos contidos na Revista Princípios n 105, que aborda centralmente essa temática, me fez historicizar a contextualidade esse tema.
 
A AGENDA NEOLIBERAL NO COMANDO

Há pouco mais de 20 anos o mundo deparou-se com uma geopolítica unipolar. Uma potência com seus aliados impunham as regras econômicas e políticas ao mundo.

Um historiador internacional chegou até a proclamar que tinha chegado o fim da história. No Brasil, o professor FHC, proclamava um novo renascimento.

Era um ambiente que buscava estabelecer como “verdade absoluta” o papel do deus mercado. Um papel diminuto ao Estado. Uma economia desregulamentada, permitindo que a financeirização se consolidasse como agente preponderante nos rumos da economia-política mundial. A privatização assolava, sobretudo em nosso continente, com destaque ao maior processo de privatização da histórica, promovida pelo FHC no Brasil.

Refletindo aquele momento político-ideológico, as academias, os congressos, enfim, os vários debates, eram comuns assistirmos: o neoliberalismo e os direitos sociais, o neoliberalismo e a educação, o neoliberalismo e soberania social, etc. Era uma abordagem regressiva e de resistência. Lembro que a própria Revista Princípios desenvolveu em suas publicações essa fase, numa delas o economista Paulo Nogueira Batista Jr abordava a inverdade teórica daqueles “novos” ideólogos do liberalismo.

A partir das amargas experiências com esse ideário, os povos conquistam uma nova transição política no mundo, uma tendência multipolar está em curso. Emergentes, como o Brasil, integra essa corrente de contraponto ao então único agente político, o império estadudinense.

A resultante desse novo processo são experiências democráticas e populares, com destaque ao inédito ciclo político constituído na América Latina e no Caribe, que põe o Estado no seu papel indutor e constituidor das soberanias das nações.

O GRANDE REVÉS DO LIBERALISMO CONTEMPORÂNEO

A mais recente e grave manifestação da crise capitalista desde os anos de 1929, que teve seu ápice em setembro de 2008, desmascara os “novos “ideólogos” do liberalismo.

O Estado mínimo por até então tão defendido, foi nele em que as grandes potências recorreram para sobreviverem enquanto sistema político-econômico. A liberalização e a desregulamentação foram colocadas em xeque. Não o xeque-mate ainda.

A resistência democrática e popular e o advento da manifestação da aguda crise capitalista reposicionaram o debate em torno do papel do Estado. Ao até então deus mercado exige-se regulamentações mínimas sobre a financeirização dominante. Uma disputa ainda em aberto e inconcluso.

OS PROJETOS NACIONAIS DE DESENVOLVIMENTO EM PAUTA

É desse novo ambiente que surge com força a retomada dos projetos nacionais de desenvolvimento, tendo no papel do Estado o meio para a condução e a indução desses projetos. O fortalecimento dos bancos públicos e das estatais em sintonia com os setores produtivos nacionais revelou-se como caminho a sustentar-se e a integrar-se de forma soberana nessa nova quadra econômica mundial.

Ao ler os artigos dessa revista, Princípios nº 105, percebemos que ela está em sintonia fina com essa nova quadra. Grande parte dos artigos aborda a temática energética brasileira com um viés progressivo, requerendo ou apresentando uma elaboração programática planejada, não descolada de um planejamento estratégico para o Brasil.

Hoje temos várias conferências, que distintas dos anos 90, elaboram em torno de temas específicos integrando-os num projeto nacional de desenvolvimento. O exercício de hoje é uma prova disso. A última vez que tive nesse setor para debater tema dessa natureza foi com o jornalista Aluísio Biondi, com o seu livro que denunciava “O Brasil Privatizado”. O rumo desenvolvimentista sob novas bases alcança o Brasil com o ciclo político aberto com o Governo Lula, sobretudo em seu segundo mandato. É preciso aprofundá-lo.

O PRÉ-SAL E SALTO CIVILIZACIONAL DO BRASIL

Foi dentro desse contexto e com essa compreensão que opinei através de um artigo nessa revista Princípios 105, sobre os rumos do pré-sal para o Brasil.

A ENERGIA, FONTE DA EVOLUÇÃO HUMANA

A história dos padrões de desenvolvimentos civilizacionais da humanidade foi sempre determinada por quem detêm o controle sobre os meios de produção. E estes têm seus ciclos evolutivos caracterizados pelo seu nível de incremento tecnológico. As fontes energéticas, suas descobertas, seu domínio e seu desenvolvimento sempre tiveram um papel central em todos esses processos.

A energia, fonte da evolução humana, entrou em um novo ciclo. Neste século, acirram-se as tensões geopolíticas em torno das disputas pelas fontes energéticas, inclusive pelo domínio as suas alternativas.

O sistema capitalista há décadas concertou um padrão de desenvolvimento que vitimou o mundo até hoje, colocando-o dependente de uma fonte energética fóssil, não-renovável, poluidora, finita

O mundo, sob pressão, desenvolve sua marcha rumo a uma nova transição em sua matriz energética. O Brasil com um importante protagonismo integra esse movimento.

Somos detentores das fontes mais amplas e limpas em nossa matriz energética. Desenvolvemos programas em função disso, como o etanol e os bicombustíveis com importante sucesso.

No que pese essa tendência, pouco provável que ate o final desse século, tenhamos desarmado a armadilha outrora instalada. O petróleo tende a constituir-se como meio estratégico ainda por décadas.

Dentro desse contexto – de realidades e tendências – nosso pais descobriu a maior descoberta petrolífera dos últimos anos no mundo: a província petrolífera do pré-sal.

O PRÉ-SAL INTEGRADO E SUBORDINADO A UM NOVO PROJETO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

O pré-sal pode constituir-se em um meio de financiamento, um passaporte para que o país se configure numa nação mais desenvolvida tecnologicamente, mais forte economicamente, mais soberana politicamente e mais justa socialmente.

O Brasil já atravessou dois grandes ciclos político-econômicos. Um que resultou na formação do seu povo uno, e do seu Estado-nação, e, outro, que introduziu o país no caminho de sua média industrialização. Esses ciclos mostraram potencialidades, mas também limitações.

Nessa trajetória, a forma de exploração das riquezas naturais existentes (pau-brasil, cana-de-açúcar, mineração, café, etc.), mas não apenas ela; também o controle, o financiamento e a forma de apropriação dos resultados, influenciaram e condicionaram o tipo de desenvolvimento brasileiro: tardio, subordinado e concentrador de renda.

Mesmo reconhecendo que o pré-sal fortalecerá nossa soberania energética e será fundamental para a constituição de um novo projeto nacional de desenvolvimento, isso não significa que essa descoberta nos levará automaticamente à redenção social nacional. Teremos muita disputa política condicionando permanentemente essa possibilidade. Prova disso, é o atual momento, em que está prevalecendo a polarização entre as federações de quem ficará com a maior parte da partilha resultante da produção do Pré-sal. Essa diretriz reduz essa potencialidade estratégica a mera disputas política provinciana. Hoje, assim está em curso

Outras riquezas naturais, no contexto da época em que eram relevantes, cumpriram papel importante sem, entretanto, impulsionar o país para um padrão mais desenvolvido. Foram exploradas de forma descolada de um projeto nacional

Pensamos que o debate atual – apesar de importantíssimo – sobre qual a melhor forma de aproveitamos a riqueza do pré-sal, não deve encerrar-se em si mesmo. Acredito que a disputa deve estar centrada também na questão de qual modelo a exploração do pré-sal estará integrado e subordinado.

Portanto, sem um Plano Estratégico de Desenvolvimento Nacional, conduzido pelo Estado, através do seu pólo público bancário e dos segmentos industriais no Brasil, a possibilidade dessa riqueza ser usufruída pelo nosso povo corre o risco de ser mais uma vez feita de forma restritiva e concentrada.

Dessa forma, nas condições políticas e econômicas atuais do Brasil, compreendo que pouco provável consigamos constituirmos lhas de prosperidade, seja num Estado e/ou num município isoladamente. Por mais séria que seja a gestão, superar adequadamente os gargalos sociais, logísticos e econômicos das cidades exige-se uma integralidade articulada em plano nacional.

As condicionantes históricas, como a concentração agrária, além das limitações orçamentárias, impõe aos gestores públicos que seus modelos sejam planejados e integrados nesse necessário planejamento estratégico nacional. A fiança do pré-sal é mais nova importante possibilidade para as cidades do Brasil.

UM PROJETO NACIONAL “LIMPO” SOB AMEAÇA

Não poderia sugerir a reflexão de todos sobre um risco que está em curso no país sobre um dos exitosos projetos do Brasil, refiro-me ao Etanol. Aliás, muito bem apresentado nessa revista por diversos autores. Trata-se do risco da desnacionalização da cadeia produtiva do etanol.

Recentemente, como exemplo, ocorreu a assinatura do memorando de entendimento entre a petrolífera Shell e a brasileira Cosan, criando uma liderança mundial. Outras aquisições por capital estrangeiro ocorreram, patrocinando uma verdadeira invasão e concentração de capital nessa cadeia produtiva. Uma verdadeira monopolização, inclusive agrária, está em curso no país.

Não podemos permitir que um projeto nacional, no ato de seu salto enquanto alternativa energética para o Brasil e para o mundo seja desnacionalizado pelo lado mais perverso: sua propriedade sob controle forâneo.

O Estado nacional, através da Petrobras e de outros instrumentos meios, precisa urgentemente fortalecer uma política nacional para essa atividade, caso contrário, perderemos o seu controle, inclusive o tecnológico.


Divanilton Pereira é diretor Nacional de Energia da CTB e dirigente Nacional da Federação Única dos Petroleiros
 

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