O caráter essencialmente nazista da política de Israel

Nem bem terminei de ler “A linguagem do Império – Léxico da ideologia estadunidense”, de Domenico Losurdo (Boitempo, 306 páginas), o terrorismo de Estado de Israel ceifa a vida de dezenas de ativistas na madrugada dentro de um barco, alveja muitos e prende como criminosos centenas de homens e mulheres que, navegando em águas internacionais, insistiam em levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza, mantida sob bloqueio criminoso, ilegal e imoral pelos sionistas.

Como se tivesse feito um livro sob encomenda para explicar o ocorrido, o autor questiona: “o caráter essencialmente ‘fascista’ e até mesmo ‘nazista’ da política de Israel explica tudo isso?”.

Se “a ideologia da guerra que se desenvolve nos nossos dias é a linguagem do império”, a manipulação dos meios de comunicação tem sido historicamente uma arma dos que procuram justificar suas práticas genocidas. “Essa inversão dos lados de agredidos e agressores, oprimidos e opressores, não deve espantar, é parte integrante da ideologia colonial. Enquanto grassa o escravismo, seus beneficiários e apologistas classificam os abolicionistas de ‘avessos aos brancos e assassinos’ ”.

Hoje, o país que se arvora campeão da liberdade coonesta os crimes de Israel, perpetua o criminoso bloqueio a Cuba, bombardeia e assassina centenas de milhares no Iraque e no Afeganistão, investe contra o acordo de paz com o Irã, cultua prisões como a de Guantánamo e de Abu Ghraib, da mesma forma como transformava o suplício dos negros pela Ku Klux Klan em cruel espetáculo de massa, anunciado pela imprensa. Da mesma forma que financiou, armou e sustentou Somoza, Pinochet e Papa Doc, entre outros sangrentos marionetes.

Agora, “o uso terrorista da categoria terrorismo chega a seu auge na Palestina” e todos os que são movidos pelo “desejo de resistir à invasão estrangeira”, “de lutar contra os que oprimem e humilham seu país” – ou apenas se solidarizam, como foi o caso dos integrantes da “Frota da Liberdade” – viram “terroristas hostis”. A desinformação é acompanhada pelo rótulo depreciativo, endereçada aos que lutam contra a agressão, seja no Iraque, no Afeganistão ou na Palestina, transformada em “gueto mundial”. “Se o garoto palestino que protesta contra a ocupação jogando pedras é ‘terrorista’, devemos considerar campeão da luta contra o terrorismo o soldado israelense que o mata a tiros?”. Infelizmente, não é um exemplo imaginário, mas de “um traço essencial da tradição colonial”. Talvez isso explique ser o sionismo “a única filosofia política autônoma permitida pelo Terceiro Reich”.

Pelo tratamento dispensado aos integrantes da “Frota da Liberdade”, dá para ter uma ideia do que padecem os milhares de palestinos encarcerados por Israel, inclusive crianças. Na descrição do escritor Ghassan Abdallah, internado na prisão de Ansar-3, no deserto, “a antecâmara do inferno”. Nem mesmo os oficiais israelenses suportavam o seu papel de carcereiros e tinham “necessidade de recorrer aos tranqüilizantes”. Para os palestinos, a “tortura”, o “inferno cotidiano”: “de dia, no verão, chega-se aos 40º, enquanto de noite se pode chegar a 0º”.
Enquanto era obrigado a esconder-se nas ruas de Dresden para escapar da “solução final” que os nazistas reservaram aos judeus, o professor e filólogo Victor Klemperer denunciava o “extraordinário parentesco” e os “profundos pontos em comum” entre o sionismo, fundado por Theodor Herzl e o nazismo. Não por acaso, Herzl é o israelense a quem os vestais da mídia (anti) brasileira queriam que o presidente Lula colocasse flores no túmulo durante sua visita a Jerusalém, tentando imputar inclusive ao governo brasileiro uma suposta “gafe diplomática” por deixar de fazer o que sequer estava agendado.
“A doutrina da raça de Herzl é a fonte dos nazistas, são eles que copiam o sionismo, não o contrário”, sublinhou Klemperer, mostrando simpatia pela população árabe que se insurge “contra o processo de expropriação e colonização e o ‘destino de índios’ a ela reservado pelos colonos sionistas”. Com efeito, é o próprio Herz que se refere de modo explícito ao modelo estadunidense de expansão do Far West, e ao extermínio dos peles-vermelhas, a quem  literalmente se arrancava o couro para fazer “rédeas”.
“Caracteriza o sionismo uma palavra inequívoca – “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Nas palavras de Herzl: “queremos levar limpeza, ordem e costumes iluminados do Ocidente a esse canto agora infecto e desolado do Oriente, a esse canto doente”. “Ao estabelecer-se na Palestina, os judeus podem ‘sanar aquela chaga do Oriente’. Concluindo: ‘os judeus são o único elemento civilizador que pode colonizar a Palestina”. Folheando os diários de Herzl, nos encontraremos “diante de um álbum de família do colonialismo e do imperialismo entre os séculos XIX e XX”.
Não por acaso, a Assembleia Geral da ONU decretou em 1975 que “o sionismo é uma forma de racismo e de discriminação racial”. Afirmava a declaração que “a cooperação e a paz internacionais requerem a realização da liberação e da independência nacional, a eliminação do colonialismo e do neocolonialismo, da ocupação estrangeira, do Sionismo, da segregação e da discriminação racial sob todas as suas formas, bem como o reconhecimento da dignidade dos povos e de seu direito à autodeterminação”. Contra esta interpretação se perfilavam os governos dos EUA, Israel e… da África do Sul, do apartheid, que mantinha encarcerado a Mandela. Com a desaparição do campo socialista, em 1991, esta declaração foi revogada.

É sabido e reconhecido o recurso sistemático de Israel à eliminação física ou ao assassinato de palestinos acusados ou mesmo suspeitos de realizar ações “terroristas”, prática que “recorda os esquadrões da morte aos quais recorreram certos regimes da América Latina”, financiados e treinados pelo governo estadunidense. “Só se pode falar em justiça quando quem julga é um órgão imparcial, que julga a partir não de impressões ou certezas subjetivas, mas de provas obtidas e confirmadas durante um debate com a defesa. Nada disso se verifica quando os aviões e os helicópteros israelenses lançam seus mísseis contra as vítimas designadas”. Na prática, uma “limpeza étnica” na Palestina, “acrescentada às injustiças e humilhações ligadas ao processo de colonização que vem ocorrendo há décadas”.

Quanto ao “caráter escrupulosamente planejado das execuções ou dos assassinatos orquestrados pelo exército israelense”, vale lembrar uma citação de Henry Siegman, ex-chefe executivo do Congresso Judaico Americano: “Foi perguntado ao general Dan Halutz, chefe do Estado Maior de Israel, em 2002, quando dirigia a aviação israelense, o que sentiu quando soube que a bomba de uma tonelada lançada sobre um líder do Hamas tinha matado também nove crianças palestinas – um resultado bastante previsível, dado que a bomba fora lançada sobre um prédio cujos apartamentos eram habitados por civis. Como se sabe, ele respondeu ter sentido em seu avião ‘um leve choque’ no momento em que a bomba caía. (Essa foi a única perturbação que sentiu). Ele acrescentou que, naquela noite, dormiu muito bem”. Resultado: foi promovido a chefe do Estado maior.

Conforme artigo publicado no International Herald Tribune, para “desacreditar” o governo nacionalista de Nasser, em 1954, “agentes recrutados por Israel colocaram bombas nas bibliotecas estadunidenses de Alexandria e do Cairo, fazendo com que os egípcios parecessem culpados”.

O mais difundido jornal israelense noticiou episódios e fotos que esclarecem bem como pensam – e agem – as tropas sionistas: “Uma mostra um soldado israelense com a bota sobre o tórax de um palestino que acabara de ser morto em um campo de pimentões no Gush Katif, ao sul de Gaza. O militar parece imitar um caçador que acabara de abater um animal”. No Canadá, um desertor do exército estadunidense relata que seus “companheiros de arma jogavam futebol com a cabeça de um iraquiano decapitado”.

“O Estado de Israel ampliou suas fronteiras em mais de 50% além das áreas atribuídas ao Estado judeu pela ONU em 1947, enquanto a área destinada aos palestinos já foi reduzida em cerca de 60%, e tudo isso sem contar as colônias e as outras expropriações realizadas por Israel na Cisjordânia”, conforme análise de “conceituados” órgãos de imprensa estadunidense, judeus israelenses ou norte-americanos. E não é tudo: “o furto da terra, que anda ao lado do muro, chega a aproximadamente 12% da Cisjordânia”. Uma realidade “cada vez mais semelhante à da África do Sul do apartheid”, bantustões, formalmente “Estados independentes”, mas de fato sem qualquer autonomia no plano econômico e militar. “A aplicação de tal modelo à Faixa de Gaza e à Cisjordânia permitiria que Israel se mantivesse como ‘Estado judeu’ evitando a ameaça representada pelo rápido crescimento demográfico dos ‘negros’ palestinos e perpetuando a subjugação destes de diferentes formas… Não obstante o ‘desempenho’, Israel continua a ter total controle sobre a Faixa de Gaza e arredores, o espaço aéreo, o fornecimento de água e energia elétrica, a vida e a morte – como demonstram as recorrentes incursões de carros armados e blindados -, os bombardeios, as ‘execuções extrajudiciais’ com seu séquito de ‘danos colaterais’ mais ou menos amplos, tudo decidido de forma soberana por Tel Aviv”.

O entranhamento desta ideologia fascista é visível, estampada no “culto reservado a Baruch Goldstein, ‘o médico colono que em fevereiro de 1994 invadiu a Mesquita de Abraão, em Hebron, e disparou sobre os crentes ajoelhados para rezar’. Morreram 29, enquanto os feridos passaram de uma centena. Em 1997, em honra deste ‘santo’, é publicado um livro: O homem bendito”.

Como jornalista do HP visitei em 2001 os territórios palestinos ocupados. Lembro dos olhos das crianças como o alvo principal das balas de aço israelenses, revestidas de borracha para não matar, “apenas” para servir de alerta aos jovens braços que jogavam pedras contra os tanques nazi-israelenses na segunda Intifada. Da fila de crianças nos hospitais no aguardo de um visto dos sionistas para poderem viajar e serem operadas na Alemanha, já que a pista de seu aeroporto havia sido tomada por crateras após os bombardeios. De um senhor baleado na cabeça enquanto conversava a meu lado na cidade de Hebron, dos hospitais repletos de mutilados pela covardia, do esgoto correndo a céu aberto em Gaza, das estradas bloqueadas na Cisjordânia, do roubo da água, do assalto às terras. De lá para cá, a segregação, como o muro do apartheid, só cresceu… Como a consciência e o repúdio internacional à ocupação.

Encerro com as palavras de Ho Chi Minh. Em 1924, quando era tão somente mais um jovem indochinês, de nome Nguyen Sinh Cung, chegando à República estadunidense em busca de trabalho, assistindo horrorizado a um linchamento: “No chão, cercada de um cheiro de gordura e de fumaça, uma cabeça negra, mutilada, assada, deformada, faz uma careta horrível e parece perguntar ao sol que se põe: ‘Isto é civilização?”.

 


 

Leonardo Severo é jornalista da Hora do Povo, assessor de Comunicação da CUT Nacional, membro do Conselho Consultivo do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé e autor do livro Bolívia nas ruas e urnas contra o imperialismo (Editora Limiar, segunda edição)

 

 

 

 

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