Exemplo sul-africano deveria servir de lição para o Arizona

Enquanto a África do Sul conseguiu grandes progressos na luta para combater a discriminação racial, estes esforços em outros partes do mundo, como no Arizona, estão perdendo terreno.

É surpreendente ver o que os sul-africanos conseguiram desde a eliminação do apartheid há 16 anos: sem dúvida, já não existe a segregação forçada de negros e brancos, e hoje políticos negros controlam os cargos políticos mais importantes, incluindo a presidência.

É verdade que a população branca – que abarca aproximadamente 19% dos cerca de 50 milhões de habitantes da África do Sul – ainda controla setores da economia e é comum ver os brancos reunidos em enclaves e centros comerciais. Na média, sua renda é muito superior a de outros segmentos da população. Mas, durante uma estadia de quase duas semanas na África do Sul, não notei tensões sérias entre brancos e negros. Ao contrário, tive a impressão de que convivem muito bem.

A harmonia e o entusiasmo que prevaleceu na África do Sul desde o início da Copa do Mundo, no começo deste mês, quase nos faz esquecer que há 20 anos este país estava à beira de uma guerra civil.

Os sul-africanos tiveram que escolher entre a violência e a negociação. E escolheram a segunda.

Não foi fácil. Nelson Mandela negociou desde a prisão com o então presidente P.W. Botha e, depois de ser libertado, com F.W. De Klerk. Tudo culminou com o fim do apartheid e as primeiras eleições nas quais foi permitida a participação da população negra, em 27 de abril de 1994. Hoje, essa data é celebrada como o Dia da Liberdade.

“Nunca, nunca, nunca mais esta linda terra voltará a experimentar a opressão de uns sobre outros”, disse Mandela em seu discurso de posse. E assim foi desde então.

Como admitiu o arcebispo Desmond Tutu numa entrevista, a discriminação não desapareceu totalmente. Mas o progresso atingido é impressionante e irreversível.

A consciência sul-africana que diz que a discriminação não deve ser tolerada – muito menos legalizada – não parece existir em partes dos Estados Unidos.

Será que os moradores do Arizona estão vendo o que aconteceu na África do Sul?

A nova política de imigração do Arizona, transformada em lei em abril passado, serve para alentar o tipo de preconceito racial que os sul-africanos rechaçaram há quase uma geração. A lei expõe imigrantes e latinos a inspeções policiais mais rígidas normatizadas apenas pelo critério dos representantes da lei – o que, na prática, se traduz na cor da pele ou no sotaque. Se uma lei similar fosse aprovada na África do Sul hoje, geraria protestos e manifestações violentas no mundo todo.

A solução para o imenso problema migratório dos Estados Unidos não é discriminar todo um segmento da população. Nem é criar um novo sistema de apartheid no Arizona. Pelo contrário, a solução pode estar em seguir o exemplos sul-africano: rejeitando leis injustas e integrando toda a população, sem exceções, num só sistema.

Se a África do Sul conseguiu superar um longo e obscuro passado de discriminação racial, mediante a tolerância e a negociação, o Arizona também pode fazê-lo. O conceito da África do Sul como uma “nação arco-íris” pode e deve ser exportado a outros países. Os sucessos da África do Sul podem se repetir no Arizona – e no Texas, na Califórnia, e em todo o território dos Estados Unidos.

Há muito o que aprender com a África do Sul durante esta Copa do Mundo, e com seu líder moral, Nelson Mandela.

“O esporte tem o poder de mudar o mundo”, disse Mandela durante a cerimônia para homenagear o astro brasileiro de futebol, Pelé. É mais poderoso que os governos para romper as barreiras raciais. Ele se ri diante de todos os tipos de discriminação.
Não pretendo fechar os olhos diante das significativas diferenças que ainda existem entre negros e brancos na África do Sul.
Mas, apesar dessas diferenças, os sul-africanos trabalharam incansavelmente para construir um só país a partir de uma nação dividida pela raça, cultura, classe social, línguas e etnias. Superaram inúmeras diferenças, e em nenhum lugar isto é mais evidente do que na Copa do Mundo deste ano.

Jorge Ramos – New York Times
Tradução: Eloise De Vylder

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