Onde estavam os militantes?

Acordei antes das seis horas da manhã nesse domingo e segui para a gelada São Bernardo do Campo. Pra quem não sabe, a cidade do Lula fica na beira da Serra do Mar. Quando chega frente fria, o vento e a garoa ali são cortantes.

Talvez isso é que tenha afastado os militantes da porta do prédio do presidente Lula.

Nas outras eleições em que estive lá, a rua ficava tomada de bandeiras, militantes. Dessa vez, só jornalistas. E a garoa.

Acompanhei a saída de Lula – sem tumulto, sem emoção. Ele votou numa escola de São Bernardo do Campo. Ali, houve alguma comoção. Mas era diferente de outras eleições.

Não vi muitos militantes do PT. O que havia era o povão, feliz por ver o presidente. Não eram os “companheiros” de tantas lutas que estavam na rua, não eram os militantes de estrela no peito. Não.

Era o povo, que já não vê Lula como um “companheiro”, mas como um ídolo.

E aquele povão que ficou de plantão na porta da escola, debaixo de chuva, acabou recompensado: Lula veio até a rua, abraçou e conversou com os eleitores.

Quando Lula se foi, não vi petistas pedindo voto, brigando pelos “últimos votos rumo à vitória” (como muita gente diz aqui na internet). E lembremos que no ABC até Mercadante está bem nas pesquisas, muito acima da média no Estado. Se ali não havia empolgação,onde poderia haver?

Pelo twitter, recolhi ao longo do dia relatos semelhantes de boa parte do Brasil: clima morno.
No mundo das ruas, longe dos sites e da pancadaria eletrônica, esse foi um dia de votação cinzento. Sem vermelho, nem azul, nem verde.

Depois que Lula rumou para Brasília, segui para outro mundo: Campo Belo, na zona zul de São Paulo, onde voto. Já foi um reduto malufista; hoje, a maioria é PSDB. De novo, nada de campanha. Os tucanos estavam tristes, quietos. Não havia camisetas, adesivos, nada.

Lembro bem que nos anos 90 os militantes malufistas eram barulhentos, orgulhosos de levar no peito a marca do velho líder.
Esse ano, não havia nada disso.

Os tucanos, brincou um amigo, pareciam ligeiramente esverdeados…

Se Dilma dependia do “empurrão final da nossa militância” (como disseram os líderes petistas), esse empurão não se viu nas ruas.

Há uma outra questão. O Brasil virou um país normal. Eleição não é novidade. Até conheço gente que tentou “virar” votos de última hora, conversando com amigos. Esse escrevinhador mesmo teve, na família, um voto marinista que na última hora migrou para o nulo.

Na Redação – agora há tarde – soube de outras situações parecidas.

De toda forma, esse boca a boca de última hora foi um debate travado sem muita paixão, com as posições já consolidadas e argumentos muitos objetivos.

Por fim, há que se levar em conta um preço que o PT e a esquerda pagam por determinadas escolhas. Lula, como diz meu amigo Azenha, fez o país avançar sem politizar o povão. É o oposto do que faz Chavez. É uma aposta no pragmatismo.

Ok, talvez a opção de Lula seja mais madura, mais democrática – por mais que a direita que baba (e como baba) enxergue em Lula e no PT “riscos para democracia”.  Mas quando a água sobe e a direita vem com tudo, falta ao povão lulista argumentos políticos para impedir a sangria de votos. Como se contrapor aos boatos religiosos de que Dilma é contra a vida, contra Jesus e a favor do aborto?

Os lulistas, nos fundões desse Brasil, não estavam preparados para esse debate (difícil, eu reconheço).

Por isso, em vez de debater a sério a necessidade de separar Igreja e Estado, Lula e o PT preferem botar a candidata pra batizar a neta. Eu sei: travar esse debate agora seria trágico. Dilma só perderia voto. Melhor é ir pro batizado. Compreendo.

Mas esse (como tantos outros) é um debate que depende de politização. Precisa ser travado ao longo de anos e anos, não na hora da eleição.  A escolha de Lula é outra.

O lulismo mantem, sim, uma enorme militância com tradição e experiência políticas. Não há como negar. Talvez, ela esteja um pouco adormecida. Mas o lulismo é alimentado também por uma massa enorme de eleitores distantes do debate político.

Como diz um amigo (economista de linha búlgara – que já esteve no governo Lula e hoje trabalha na iniciativa privada – mas segue lulista até debaixo d´água), com quem jantei ontem em São Paulo: “acho que nós é que viramos maioria silenciosa”.

A esquerda sempre foi barulhenta. Hoje, quem faz barulho é a direita, são os conservadores. Tudo parecido com o quadro nos EUA, onde o “Tea Party” espalha que Obama é muçulmano e socialista.

Enquanto a direita brasileira bate pesado (na mídia e nas igrejas), a esquerda (ou centro-esquerda, vá lá), sob liderança de Lula, optou por um trabalho mais silencioso.

O lulismo precisa prestar atenção a isso: como enfrentar – sem politização – o bombardeio que certamente virá no segundo turno, e nos próximos anos? Apostar só em Lula, no carisma do líder, não parece uma opção das mais seguras.

O Brasil avançou na economia e nos indicadores sociais. Agora, precisa avançar na política – pela esquerda.


Rodrigo Vianna é jornalista

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