Por meio de comitês de bairro, indignados da Espanha prosseguem sua luta

Desde meados de junho, miniassembleias assumiram o lugar das manifestações organizadas nas grandes cidades espanholas. Elas são responsáveis pelas mobilizações para impedir despejos

Com dois microfones na mão, grudados por uma fita adesiva e ligados a dois alto-falantes instalados na Praça de Las Palomas, em Madri, Ramon, educador especializado de 29 anos, de brinco e cabelos curtos, pede pela ajuda de voluntários. Três pessoas se aproximam. São 20 horas do dia 2 de julho e, como em todos os sábados, a assembleia geral do bairro de Tetuan vai começar. Cerca de 200 “indignados” da vizinhança marcaram presença.

No dia 13 de junho, depois de conseguir convocar durante um mês milhares de pessoas de todas as idades e classes sociais para assembleias populares encarregadas de estabelecer as bases de uma nova sociedade mais justa e menos corrupta, as centenas de “indignados” espanhóis que haviam recriado uma minicidade autogerida na Puerta del Sol, no centro de Madri, decidiram levantar acampamento. Nem por isso estavam abandonando seu sonho de “verdadeira democracia” e seu combate “contra a ditadura dos mercados”.

Antes de dobrar as tendas e limpar as pichações, os “indignados” marcaram encontro nas assembleias de bairro. “O movimento não está se apagando, está se ampliando”, avisaram. A aposta era arriscada. Hoje, parece ganha.

Na região de Madri, mais de 110 bairros da capital e das cidades limítrofes organizam a cada fim de semana assembleias gerais frequentadas por 50 a 500 pessoas, dependendo do lugar. É de lá que vêm atualmente todas as ações do movimento.

Foi a assembleia de Vallecas, bairro popular do leste de Madri, que lançou a ideia de uma grande manifestação no dia 19 de junho, contra o Pacto de Estabilidade europeu. Foi a de Arganzuela que propôs organizar, paralelamente ao “debate sobre o estado da nação” no Parlamento espanhol, um “debate do povo” na Puerta del Sol, para denunciar “o abismo que separa cada vez mais o povo e os políticos” e propor o fim da reforma da aposentadoria (que eleva a idade mínima de 65 para 67 anos), a abolição dos paraísos fiscais ou a implantação de um imposto sobre as transações financeiras. Mais locais, a do bairro de Moratalaz organizou um dia dedicado à cultura e a de Malasana, um mercado de trocas.

Já a assembleia de Tetuan foi a primeira a se mobilizar para impedir, no dia 15 de junho, o despejo por ordem de um banco de uma família desempregada. Desde então, três outros despejos foram evitados em Madri graças à mobilização dos “indignados”.

Na praça de Las Palomas, onde sentem muito orgulho dessa ação, há um debate após o outro. Famílias com seus filhos, pessoas de idade chegando em grupos, jovens e não tão jovens, professores, mecânicos, empregados, aposentados ou desempregados, sentados no chão ou em bancos, aprovam os discursos uns dos outros virando as mãos, e rejeitam as propostas que lhes desagradam cruzando os punhos e pedindo a vez de falar para poder explicar ao microfone sua opinião. Graças a Ana, intérprete de 28 anos, todos os discursos são traduzidos em linguagem de sinais. Como todos aqui, ela veio de maneira “individual e voluntária”.

No microfone, um homem de cerca de 60 anos de idade explica como proceder para falar durante o “verdadeiro” conselho municipal. Ele propõe pedirem pela simplificação do processo que exige a apresentação, com quinze dias de antecedência, da requisição e do detalhamento do discurso. Suas mãos se agitam. A proposta teve aprovação geral. A comissão encarregada das questões políticas trabalhará no assunto.

Toda semana cerca de dez comissões como essa elaboram em reuniões propostas apresentadas durante a assembleia geral semanal. Diego (todos preferem omitir o sobrenome para evitar uma personalização do movimento), da comissão política, anuncia a realização próxima de uma reunião sobre “como o Pacto de Estabilidade europeu nos afeta” e uma mobilização “contra a privatização do Canal Isabel 2ª”, que abastece a cidade com água corrente. Marisa, da comissão de moradia, propõe uma ação diante de uma agência do banco BBVA a fim de exigir a redução do montante da hipoteca de uma família ameaçada de despejo. Ricardo, da comissão “banco de tempo”, explica o objetivo dessa iniciativa que consiste em trocar serviços em função das habilidades e da disponibilidade de cada pessoa, sem retribuição financeira.

Agachado no chão, um membro da comissão da comunicação anota em um grande painel as propostas que recebem aprovação geral. Com as costas curvadas e óculos de sol apoiados na ponta do nariz, Marcela, 78, as copia em um caderninho. “Estou encantada por essa gente tão honesta e boa. Costumam falar que os jovens não levam nada a sério, mas isso é mentira”, se empolga em um francês perfeito essa ex-advogada. Ela mesma já apresentou várias propostas durante assembleias da Puerta del Sol e do bairro de Tetuan, a favor da laicidade ou contra o congelamento das pensões de aposentadoria.

São 22h15, e como combinado a assembleia chega ao seu fim. É o momento das falas espontâneas dos participantes. Arengas, agradecimentos e próximos encontros. Os princípios de democracia direta reivindicada pelos “indignados” parecem ter vingado. A questão é saber se essas assembleias populares sobreviverão ao verão. Os “indignados” juram que sim.

Fonte: Le Monde

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