A moratória da Grécia

Aconteceu. Anteontem, a tão esperada, tantas vezes prevista, moratória grega foi oficialmente endossada pelos líderes da zona do euro na cúpula de emergência realizada em Bruxelas. O processo pelo qual os europeus chegam às suas decisões coletivas é sabidamente difícil, lento, tortuoso. Sempre foi. Com a eclosão da crise na periferia do euro, o problema se agravou. Às dificuldades habituais de coordenar as decisões de Estados soberanos, com interesses nem sempre convergentes, somou-se a tendência humana, humana demais, a demorar a reconhecer realidades penosas.

Os governos europeus deram agora alguns passos na direção certa. Reconheceram a necessidade de prover alívio financeiro à Grécia, melhorando as condições de prazo e juros da dívida oficial do país com os governos europeus. Reconheceram, também, que os credores privados precisam absorver algumas perdas e contribuir para resolver a crise grega.

A socialização pura e simples de prejuízos, como vinha acontecendo, tornara-se politicamente insustentável. O programa grego consistia até o momento da seguinte combinação fantástica: a) um ajustamento draconiano imposto ao país; e b) doses maciças de financiamento oficial da “troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI). O propósito desses empréstimos europeus e do Fundo não era propriamente apoiar a Grécia, mas sim permitir que os credores privados do país (que são principalmente europeus) se livrassem, sem perdas, de pelo menos parte dos seus títulos gregos depreciados. Se não era essa a intenção, foi esse o resultado. Desde o do ano passado, a troika entrou com dinheiro e o setor privado foi tirando o seu à medida que venciam os títulos.

A fórmula se esgotou. A dívida grega remanescente com o setor privado precisa ser reestruturada. A dívida oficial com os europeus, também. E ainda: o setor oficial deve fornecer mais dinheiro novo em grande escala, isto é, dinheiro de governos europeus e — o que é mais problemático — dinheiro do FMI, isto é, recursos que, em última análise, vêm das reservas dos credores do Fundo, inclusive do Brasil.

No momento em que escrevo, ainda não é possível formar uma ideia completa do plano dos líderes europeus. Muitos pontos estão em aberto ou não foram esclarecidos. Em uma primeira análise, caberia talvez destacar dois problemas.

Primeiro, a contribuição do setor privado ainda é limitada. O grosso do esforço vem do setor oficial. A socialização de riscos e prejuízos vai continuar, portanto — ainda que mitigada pela troca ou rolagem de dívida com desconto e/ou condições mais favoráveis de prazo e juro. Os credores privados terão de encaixar alguma perda nessa troca ou rolagem de bônus gregos.

Porém os valores oferecidos pelo setor oficial são, a julgar pelas informações disponíveis, bem superiores à contribuição a ser feita “voluntariamente” pelo setor privado. Além disso, não se pede dinheiro novo ao setor privado, apenas a rolagem ou reescalonamento de dívidas existentes. Todo o financiamento adicional à Grécia virá do setor oficial, isto é, da “troika”.

E aqui chego ao segundo problema: a participação do FMI. Se os governos europeus querem continuar arcando com o grosso do ônus da crise grega, e continuar absorvendo parte dos riscos e perdas dos bancos e outros credores privados da Grécia, isso é um problema intraeuropeu, a ser debatido entre governos, parlamentos e opinião pública na Europa.

Mas, quando o FMI entra em cena, a coisa muda de figura. Governos não europeus, entre eles vários de países em desenvolvimento, são chamados a prover reservas, via Fundo, para ampliar o financiamento a um programa que, desde o início, tem se mostrado altamente duvidoso.

No seu desespero, a Europa atropela o FMI. A declaração dos líderes europeus, divulgada após a cúpula de quinta-feira, chega muito perto de dar instruções ao Fundo e de tratá-lo como mero instrumento da política definida em Bruxelas.

Os europeus estão fazendo cortesia com chapéu alheio.


Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal. Texto publicado em “O Globo”.

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