O que Feliciano tem a ensinar aos progressistas

O sociólogo André Singer, em artigo publicado na revista “Teoria e Debate”, em dezembro de 2011, afirma que a chamada “nova classe média”, definida por ele como “nova classe trabalhadora”, prefere ir à igreja ao sindicato, embora nos últimos anos esse nicho populacional tenha finalmente obtido acesso às associações coletivas. A frase, a princípio despretensiosa, na verdade deve servir de alerta aos movimentos sociais em geral do país. Religiosos – em especial os protestantes pentecostais e neopentecostais – vêm criando junto às massas vínculos muito mais sólidos do que os setores considerados progressistas.

Tal discussão vem a calhar neste momento, em que virou moda bater no pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP). Em qualquer boteco pelo país afora, pega bem criticá-lo – afinal, motivos para isso não faltam. Suas declarações recheadas de racismo e homofobia, somadas à sua eleição para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, fizeram dele uma figura fácil nas redes sociais, jornais, revistas e programas de rádio. A bem da verdade, Feliciano deve estar se deleitando com essa publicidade grátis. Se em 2010 ele obteve pouco mais de 200 mil votos, esse número será duplicado facilmente em 2014.

Colocando-se de lado o conteúdo de suas declarações, alguém consegue imaginar um deputado da chamada “bancada da bala” defendendo o desarmamento no Brasil? Ou então um parlamentar eleito com o apoio do agronegócio apresentando um projeto de reforma agrária para o campo? É possível vislumbrar Jair Bolsonaro apoiando a Comissão da Verdade? Por que imaginar, então, que um cidadão como Feliciano deixaria de lado suas opiniões lementáveis sobre os homossexuais e os negros? Ele talvez não represente o que pensa a maioria dos brasileiros, mas provavelmente cumpre com maestria aquilo que seus eleitores esperam de seu mandato.

De tão absurdas, é mais do que necessário amplificar as declarações de Feliciano, bem como seu discutível comportamento enquanto líder religioso. Essas críticas vêm sendo feitas até mesmo por diversos líderes evangélicos, mas elas se tornam rasas quando proferidas a partir de um contexto que ignora por que o deputado foi colocado na presidência de tal comissão. Quando abriu mão de tal cargo, o PT não poderia tê-lo cedido a um partido com deputados mais afeitos a tais questões? Ou o tema dos direitos humanos deixou de ser prioridade para o governo da presidenta Dilma e passou a ser simples moeda de troca junto ao PSC?

Os setores progressistas do país estão perdendo diversas brigas ideológicas e parecem, a cada ano, mais desconectados da realidade que os cerca. Temas como o aborto, o desarmamento e a união civil entre pessoas do mesmo sexo pouco avançam. Religiosos têm todo o direito de pregar seu conservadorismo, mas cabe à sociedade contestar e rebater seus argumentos, criando uma agenda propositiva e pressionando o governo a não ceder a tais pressões

Feliciano é a prova inconteste de que os setores conservadores estão um passo à frente nessa disputa. Mais do que lamentar e manifestar sua revolta no Facebook, os líderes de movimentos sociais – sindicatos incluídos – e seus simpatizantes precisam aperfeiçoar seus canais de diálogo junto a estudantes, trabalhadores e outros setores da sociedade, de modo a atrair cada vez mais pessoas para suas lutas e, como consequência, eleger em maior número vereadores, deputados e senadores que realmente os representem.


Fernando Damasceno é jornalista e subeditor do Portal CTB.
Contato: [email protected]

 

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