A primeira biografia não autorizada de Lima Barreto já é sessentona

Em tempos de polêmica sobre biografias autorizadas ou não, completa 60 anos a primeira biografia do escritor Lima Barreto. Um clássico por sua força e profundidade, onde realça a modernidade e atualidade do grande escritor assim como a força de sua literatura militante e antirracista, embora ainda desprezada por alguns críticos. O livro A Vida de Lima Barreto foi lançado em 1952 e entrou para a história como exemplo de biografia. O jornalista Francisco de Assis Barbosa dignificou o trabalho do biógrafo ao contar a vida do escritor carioca sem subterfúgios e sem nenhum tipo de apelação comercial.

Se há um escritor brasileiro que se possa dizer injustiçado e desprezado, esse é Afonso Henriques de Lima Barreto. Porque não souberam valorizar seu estilo inovador com sua linguagem próxima à do povo, para ser lido e entendido por todos. Até mesmo críticos progressistas com José Veríssimo implicaram, na época, com seu livro de estreia, Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), que Veríssimo considerou personalista demais. Hoje podemos ver o quão errado estava o crítico: a obra permanece atual ao descrever nossa mídia comercial, sem tirar nem por. 

Suas obras têm ganhado corações e mentes cada vez com mais força pelo país afora. “Pode-se reconhecer que o móvel profundo que animou Lima Barreto, ao tomar dados biográficos para grandes motivos de sua obra literária, foi sempre o reconhecimento lúdico e consciente do quanto de injusto à sociedade gestava em seu ventre com relação a eles. Dessa maneira, antecipou-se ao esforço da procura do típico em literatura, não por singularidades ou excepcionalidades, mas pelo aprofundamento objetivo e sincero de certa presença constante e característica, ainda quer por vezes velada ou transfigurada, presença em determinado meio que era (e é) o nosso”, relata o filólogo Antônio Houaiss.

O clássico A vida de Lima Barreto, de Francisco de Assis Barbosa, que completa 60 anos (a edição original é de 1952), relançado pela José Olympio, merece atenção justamente por ter denotado as agruras de Lima Barreto e a forma como as dificuldades de sua vida influenciaram sua literatura. Francisco de Assis Barbosa relata as dificuldades de seu trabalho no prefácio à primeira edição. Diz que tendo “começado em 1946, só agora, em fins de 1951, pude entregar os originais ao editor. Cinco anos para escrever o que poderia ter sido escrito em seis meses – sem falar, é claro, no tempo consumido em pesquisas e depoimentos. Ao terminá-lo, agora, sinto que o livro está incompleto. Dá-me a sensação de reportagem inacabada”. 

Mas choveram elogios. A escritora Rachel de Queiroz afirmou que este “livro representa o meu ideal em matéria de biografia”. Já o historiador Sérgio Buarque de Holanda disse que o livro “reúne as virtudes de uma genuína biografia literária às de uma reportagem perfeita e em grande estilo”. E José Lins do Rego viu na biografia é uma “verdadeira sondagem na alma de lima Barreto”.

Além de ter escrito a primeira biografia de Lima Barreto, Barbosa foi também o editor de suas obras completas em 17 volumes, trazendo à tona essa importante obra, desprezada até pelos modernistas de 1922. Para a editora da oitava edição desse livro, Beatriz Resende, o trabalho de Barbosa foi “minucioso de pesquisa que ocupou grande parte da vida do autor, o livro reconstitui a trajetória e a obra de um literato cuja figura física mal se podia conhecer retratada não mais do que umas três vezes durante a sua existência”. 

Já o exigente jornalista afirma sobre a biografia que escreveu que “longe de ser a análise em profundidade que está a pedir uma figura complexa como a de Lima Barreto, este livro talvez um pouco extenso não passa, na verdade, de singela narrativa biográfica, entremeada de alguns episódios da vida brasileira, mais de perto relacionados com o autor do Triste fim de Policarpo Quaresma”. 

Outro aspecto é lembrado por Beatriz Resende: “A vida de Lima Barreto retrata a história da cidade do Rio de Janeiro no início do século 20, analisa as relações entre intelectuais e a sociedade, produz um agudo balanço da política no país e influencia decisivamente os estudos literários”. 

A literatura militante, que Lima Barreto tanto defendeu e exercitou foi confundida muitas vezes como relatos autobiográficos. Mas o escritor escrevia o que via e sentia, porém com o propósito de denunciar as mazelas da sociedade racista, colonialista e que desprezava o povo e isso ele fez muito bem. Seus livros retratam a época em que viveu, mas transcendem ao tempo pelo que tem de humano. O trabalho de Barbosa baseou-se em grandes pesquisas e conseguiu documentos inéditos na época, com apoio da família de Lima Barreto e ouviu irmãos e amigos do convívio do escritor, tornando sua biografia um modelo de aprofundamento. Mesmo assim, algumas vezes teve que desembolsar dinheiro, quase sempre emprestado para bancar as publicações de seus livros.

Antes de Barbosa, outro escritor e inovador, na primeira metade do século 20, o paulista Monteiro Lobato, já havia registrado que “de Lima Barreto não é exagero dizer que lançou entre nós uma fórmula nova de romance. O romance de crítica social sem doutrinarismo dogmático. Conjuga equilibradamente duas coisas: o desenho dos tipos e a pintura do cenário. É um revoltado, mas um revoltado em período manso de revolta. Em vez de cólera, ironia; em vez de diatribe, essa nonchalance filosofante de quem vê a vida sentado num café, amolentado por um dia de calor”.

Serviço: 

Francisco de Assis Barbosa, A vida de Lima Barreto. Rio de Janeiro, José Olympio, 2012.

Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB

Adaptação completa Plicarpo Quaresma,  Herói do Brasil (1998), de Paulo Thiago

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