Entre macacos, homens e outros bichos

Após muitas agressões racistas a diversos jogadores negros brasileiros no Brasil e no mundo, com torcedores chamando-os de “macacos”, o jogador Daniel Alves, da seleção brasileira e do Barcelona resolveu pelo campeonato espanhol. Imediatamente o jogador Neymar postou na internet uma infeliz proposta de campanha produzida pela agência de publicidade Loducca: #somostodosmacacos.

Muitos “artistas” aderiram sem pensar nessa proposta e apressadamente saíram por aí tirando fotos com bananas. Mas o movimento negro os desmascarou de bate pronto. Porque essas “celebridades” nunca emprestaram suas vozes e imagens para defender as políticas públicas de igualdade racial e teve apresentador global tentando criar camiseta com a frase e sendo obrigado a pedir desculpas pela ignorância.

Essa atitude mostrou mais uma vez que a democracia vale a pena e o poder de penetração da internet o mundo contemporâneo, além de mostrar que os movimentos sociais estão atentos. O movimento negro se manifestou logo de cara e disse ao contrário: #somostodoshumanos. Como tais somos indivíduos únicos que devem ser respeitados e temos os mesmos direitos independente de nossa cor, formato de cabelo, do nariz, ou qualquer outra distinção física ou escolhas da vida.

Essa polêmica trouxe à memória importante texto de Friedrich Engels, parceiro de Karl Marx na criação do socialismo científico, escrito no século 19: Sobre a Transformação do Macaco em Homem. Engels mostra com clareza o papel do trabalho nessa transformação. Ele acrescenta que nos humanizamos a partir do momento em que descemos das árvores e assim ficamos em pé e nossas mãos ficaram livres para serem nossas primeiras ferramentas de trabalho.

O estudioso alemão afirma que “quando o homem se separa definitivamente do macaco esse desenvolvimento não cessa de modo algum, mas continua, em grau diverso e em diferentes sentidos entre os diferentes povos e as diferentes épocas, interrompido mesmo às vezes por retrocessos de caráter local ou temporário, mas avançando em seu conjunto a grandes passos, consideravelmente impulsionado e, por sua vez, orientado em um determinado sentido por um novo elemento que surge com o aparecimento do homem acabado: a sociedade”.

Mas o trabalho, segundo Engels, é que transformou o homem e o fez desenvolver a linguagem e a inteligência. Inclusive porque somente os humanos têm o movimento de pinça nas mãos e com a vida em sociedade criar mecanismos que possibilitem ao homem viver em qualquer clima, adaptando-se à natureza e adaptando-a a suas necessidades.

“Em face de cada novo progresso, o domínio sobre a natureza, que tivera início com o desenvolvimento da mão, com o trabalho, ia ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir constantemente nos objetos novas propriedades até então desconhecidas. Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho, ao multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e ao mostrar assim as vantagens dessa atividade conjunta para cada indivíduo, tinha que contribuir forçosamente para agrupar ainda mais os membros da sociedade. Em resumo, os homens em formação chegaram a um ponto em que tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros”, acentua Engels.

O pensador revela também que “à medida em que se desenvolvia o cérebro, desenvolviam-se também seus instrumentos mais imediatos: os órgãos dos sentidos. Da mesma maneira que o desenvolvimento gradual da linguagem está necessariamente acompanhado do correspondente aperfeiçoamento do órgão do ouvido, assim também o desenvolvimento geral do cérebro está ligado ao aperfeiçoamento de todos os Órgãos dos sentidos”.

Quem se assume como macaco está atrasado ao menos em alguns séculos do desenvolvimento da humanidade e pode parecer desprovido de inteligência e fadado a agir por mero instinto como os animais selvagens. Na vida somos muito mais que isso. Somos gente e podemos ser felizes como nenhum outro ser vivo, porque a nossa felicidade depende do acúmulo de conhecimento e do desenvolvimento civilizatório da humanidade que nenhum outro animal jamais atingirá, nem mesmo os macacos.

Marcos Aurélio Ruy é jornalista do Portal CTB

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