Medicamento não é mercadoria!

Uma discussão que precisa ser feita considerando o contexto político, econômico e social que determina, nos dias de hoje, o modo de produção capitalista que impõem um modelo de vida centrado no consumo e no lucro.

É no bojo de uma sociedade profundamente mercantilizada, que direitos básicos como Saúde e Educação são transformados em mercadoria. O trágico é que, no primeiro caso, a lógica mercantil pode levar à doença e à morte.

O papel do farmacêutico nesta discussão é fundamental, uma vez que o medicamento é ao mesmo tempo o produto e objeto do nosso trabalho. Daí a importância de construir e aprofundar, cada vez mais, uma abordagem da nossa profissão a partir saúde.

Medicamento, um negócio bilionário

A indústria farmacêutica é uma das mais lucrativas no mundo. O desenho deste setor é marcado pelo monopólio internacional, na qual poucas e grandes indústrias dominam o mercado internacional. É um setor que sobrevive a partir da exclusão e do domínio tecnológico produzido por acordos patentários que atacam a soberania nacional e submetem os países à total dependência.

Estas grandes indústrias atuam de forma predatória nos países ditos “em desenvolvimento”. Vendem a doença para garantir a saúde de seus lucros bilionários.

Como no caso brasileiro, que fechou o ano de 2013, segundo dados da IMS Helth – empresa que audita o mercado farmacêutico mundial – com um faturamento de 57,15 bilhões de reais, apresentando um crescimento de 18,45% em relação ao valor faturado do ano anterior. A consultoria prevê que em 2015, o mercado farmacêutico brasileiro deve aparecer na 6ª colocação em relação ao consumo mundial de medicamentos.

Estima-se que milhões de reais são gastos desnecessariamente pela população brasileira em medicamentos. Isso se deve a vários fatores diretos e indiretos que estimulam a população a consumir medicamentos: a propaganda, o modelo de farmácia que está em vigência no país, a cultura da medicalização, e o aumento da renda.

A publicidade de medicamentos – que vende desde a cura de doenças até a felicidade das pessoas – é um dos fatores mais prejudiciais à saúde da população, pois estimula o uso inadequado, sem orientação profissional e, ao lado do aumento da renda, é um dos pilares da venda de medicamentos.

Pesquisa realizada pelo Datafolha sobre o consumo de medicamentos trás dados alarmantes: 18% dos brasileiros com idade acima dos 18 anos têm o hábito de consumir analgésicos regularmente. E as projeções desse consumo são de crescimento, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do País. Essa pesquisa revelou ainda que, atualmente, 54% (73,8 milhões) dos brasileiros têm o hábito de tomar algum medicamento regularmente (de vitaminas a antidepressivos). A maior taxa de consumo regular de medicamentos é encontrada entre as mulheres (65%) e entre os mais velhos, com 60 anos ou mais (79%).

Não é à toa que crescem as estatísticas de intoxicação por medicamento. Dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostram que em 2011, 29.179 de todos os casos de intoxicação no Brasil foram causados por medicamentos, um percentual de 29,5%.

Farmácia Estabelecimento de Saúde

Outro fator de estímulo ao consumo de medicamentos é o nosso modelo de farmácia, que se caracteriza como comércio e não como um estabelecimento de saúde. A transformação do status da farmácia é uma das principais lutas da Federação Nacional dos Farmacêuticos há anos. Temos mobilizado a categoria para garantir a aprovação do substitutivo ao PL 4385/94 que dispõe sobre a Farmácia Estabelecimento de Saúde. Mais recentemente, várias organizações da profissão farmacêutica se uniram no Fórum Nacional pela Valorização Profissional e elaboraram uma emenda aglutinativa ao substitutivo, com o intuito de atualizar a proposta e impulsionar este debate na Câmara dos Deputados.

Uso Racional de Medicamentos

Diante desta realidade, devemos aumentar o debate na sociedade sobre a importância de se fazer o uso adequado do medicamento. Para isto, é fundamental informação e orientação correta prestada por profissional habilitado.

Segundo formulação da Organização Mundial do Comércio, oriunda da Conferência Mundial sobre Uso Racional de Medicamentos realizada em Nairobi, em 1985, “existe uso racional quando os pacientes recebem os medicamentos apropriados à sua condição clínica, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período de tempo adequado e ao menor custo possível para eles e sua comunidade.”

Esta é uma discussão que precisa ser aprofundada pelo Estado brasileiro. Uma boa oportunidade para isso é que, em 2014, completamos 10 anos da Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Avaliar o desenvolvimento e a aplicação desta política, no sentido de aprimorar e qualificar a Assistência Farmacêutica é um compromisso da Fenafar e um debate que deve estar presente de forma privilegiada na 15ª Conferência Nacional de Saúde. O Brasil já deu avanços importantes nesse campo, mas ainda há muito o que fazer e os farmacêuticos têm uma contribuição fundamental para dar neste processo.

Ronald Ferreira dos Santos é presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar)


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