São Pedro ou Geraldo Alckmin: Quem é o culpado pela crise de água em SP?

Há alguns meses, a população de São Paulo vive de incertezas quando o assunto é o fornecimento de água.

Com a ausência de chuvas e a diminuição da capacidade do Sistema Cantareira, reservatório que atende 9,8 milhões de paulistas, pela primeira vez na história atingiu um dígito, chegando a 9,2%, segundo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Um ano atrás, cerca de 60% do volume do sistema estava disponível.

Para evitar a falta de água, a Sabesp iniciou no dia 15 de maio, a captação do chamado “volume morto”: porção de água que fica no fundo do reservatório, abaixo dos tubos que retiram a água e enviam para as estações de tratamento.

A água captada do “volume morto”, em torno de 200 milhões dos 400 milhões disponíveis, segundo especialistas, será suficiente para garantir o abastecimento ininterrupto das regiões atendidas pelo manancial até outubro, afirmou o diretor de Relações com Investidores da Sabesp, Rui Affonso.

No entanto, para o plano dar certo, é preciso que o próximo verão seja diferente do último. Enquanto a média histórica de chuvas sobre o Sistema Cantareira é de 226,8 milímetros em dezembro, 259,9 em janeiro e 202,6 em fevereiro, em 2014 os valores registrados foram de 62,9 milímetros, 87,8 e 73,0, respectivamente.

“Com esse volume a empresa entende que há disponibilidade suficiente de água para atender ininterruptamente as regiões abastecidas pelo Cantareira até início das chuvas [outubro a março]”, garantiu Rui Affonso durante teleconferência com analistas, investidores e jornalistas.

No entanto, duas semanas antes da declaração, o secretário estadual de Saneamento e Recursos Hídricos, Mauro Arce, chegou a afirmar que a reserva estratégica duraria até março de 2015.

Já de acordo com o diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, a água do reservatório deve durar até novembro.

Os investimentos emergenciais para exploração do volume morto somaram R$ 80 milhões. E incluíram a compra de dezessete bombas.

De quem é a culpa?

Dentro desse cenário de dúvidas, não faltam contradições e dedos em riste. O governador Geraldo Alckmin culpa a população e o clima, ou seja, São Pedro.

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Convicto de que os paulistanos são responsáveis pelo elevado consumo de água e na tentativa de mudar a consciência de “desperdício”, o governador Geraldo Alckmin, anunciou para este semestre a aplicação de multas para quem aumentasse o consumo de água. Se aprovada, a medida vai se somar ao desconto de 30% para quem economizar ao menos 20%, em vigência desde fevereiro.

Já os especialistas culpam o governo estadual e a política privatista do PSDB que, que desde 1990 abriu o capital da empresa na Bolsa de Valores. Para eles, a raiz do problema está na gestão da empresa, que deixou de investir em novos mananciais para repartir o lucro entre os acionistas.

Para os estudiosos, portanto, a falta de água em São Paulo não pode ser atribuída apenas à ausência de chuvas no último período. Essa é a conclusão do professor aposentado da Escola Politécnica da USP e engenheiro de hidráulica e saneamento Júlio Cerqueira Cesar, um dos maiores especialistas na área.

“O governo não investiu na ampliação de mananciais, são os mesmos de 30 anos atrás. Nesse período, a população cresceu em 10 milhões. Os mananciais existentes não são capazes de atender a essa demanda. Essa é a grande causa da falta de água em São Paulo”, ressalta Cerqueira.

De acordo com o professor, até o início da década de 1990, o objetivo da companhia era atender a população com saneamento básico, para manter a saúde pública em níveis adequados. Depois disso a Sabesp adotou uma política capitalista. “Hoje quem comanda a Sabesp são economistas e advogados. O objetivo da empresa mudou. É para dar lucro para os acionistas”, destaca o professor.

Opinião compartilhada pelo vice-presidente da CTB nacional, Nivaldo Santana, que é técnico de Serviços Administrativos da Sabesp desde abril de 1980, e já ocupou o cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema).

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Para ele, faltam investimentos. “A região metropolitana de São Paulo tem um déficit estrutural de disponibilidade hídrica por habitante, ou seja, a produção de água é insuficiente para atender a demanda”, destacou Nivaldo.

Nivaldo argumenta que o problema climático é algo que não é previsível, mas precisa fazer parte do planejamento estratégico da Sabesp. “Na prática, o que a precisaria era aumentar a produção de água, mas para isso, o custo se elevaria. Seria necessário transportar a água de regiões mais distantes”, ressaltou o dirigente.

De acordo com o sindicalista, além do investimento que a empresa faz, também seria necessário direcionar o investimento para a produção de água. “Isso não é feito porque a lógica da Sabesp não é social, voltada para o bem estar da população. Hoje metade de suas ações pertence ao governo do Estado e a outra metade a grupos privados (parte comercializada na bolsa de valores de SP e na de Nova York). E os investidores privados estão preocupados com o retorno financeiro, com o lucro e distribuição de dividendos e não com a melhora dos serviços de saneamento básico”, afirma ao defender que atualmente a lógica da Sabesp é voltada para atender os interesses dos acionistas privados.

De acordo com os números apresentados, a companhia de abastecimento teve lucro líquido de 1,923 bilhão de reais em 2013, frente a 1,911 bilhão de reais um ano antes, com aumento do volume faturado e reajustes tarifários.

“Um lucro extremamente elevado para uma empresa de saneamento básico”, defendeu Nivaldo ao completar: “Defendemos é que ela pode ser sim um a empresa superavitária, mas com uma administração equilibrada, porque essa margem de lucro é muito exagerada. Boa parte desse lucro poderia ser redirecionada para investimentos”, opina o vice-presidente da CTB.

População paga a conta

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Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema), Renê Vicente, a irresponsabilidade do governo do Estado é a principal causadora da situação. “O governo paulista não tomou as providências necessárias para conter os efeitos da estiagem e agora busca paliativos para escamotear o problema”, defende.

Pelo contrário, segundo o sindicalista, o governo estadual reduziu os quadros da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). “O governo deveria oficializar o rodízio de água, que já existe, porque essas medidas paliativas prejudicarão ainda mais o sistema. Desde dezembro, o rodízio só ocorre nos bairros pobres das cidades afetadas”, define o presidente do Sintaema. Para ele, “tem que haver uma atitude política e um planejamento que não prejudique o funcionamento de escolas e hospitais, mas que não privilegie ninguém pela questão social”.

Existe racionamento ou não? O governo nega, a população e o sindicato denunciam.

O que se sabe é que a palavra “racionamento” virou tabu para o governador Alckmin em ano eleitoral. No entanto, os moradores da periferia não pensam assim. Desde o início da crise hídrica eles convivem com o rodízio, que é a interrupção no fornecimento de água para determinadas localidades.

Alguns munícipios já estão adotando o sistema como consequência da estiagem e das altas temperaturas. Os moradores do Jardim Três Corações, localizado no Grajaú, no extremo da zona sul confirmam essa situação. “Tenho de estar no tanque sempre às 7 horas. Antes do almoço a água acaba e depois só volta à meia-noite”, afirma a dona de casa, Cremilda Sampaio, que assim como seus vizinhos convivem com o racionamento.

alckimin aguaNa região, pelo menos seis bairros já enfrentam essa rotina: Três Corações, Jardim Varginha, Sítio Arizona, Vila Rocha, Marsilac e Ilha do Bororé. São bairros e ocupações formados em regiões altas – até 340 metros acima do nível das Represas Billings e do Guarapiranga -, onde as adutoras da Sabesp não têm pressão para manter abastecimento regular.

“Quantas vezes a gente chega do trabalho à noite e não tem mais água na caixa? Chegamos a ficar até duas semanas sem uma gota de água”, conta a auxiliar administrativa Indiara Santana, de 27 anos. Ela diz ser comum os xingamentos a qualquer pessoa que se arrisca a lavar o carro ou a calçada.                                                                                                                                                                                                                                                                  

Na região do M’Boi Mirim, o Sítio Arizona, bairro mais alto ainda, tem falha de abastecimento para as 2.540 famílias carentes da localidade, apesar de estar cercada pelas represas. “Aqui tem água para todo lado, só dentro de casa que não”, afirma Rubineia Oliveira, de 54 anos. Ela diz que muitas vezes vai às margens da Represa Billings para lavar as roupas. “Lavar roupa em casa é uma vez por semana. A louça eu deixo acumular por três dias”.

O desafio das perdas físicas

No centro da polêmica, a Sabesp anunciou um corte em seu orçamento de 2014 e avisou que fará uma “reprogramação” de seus investimentos por causa da atual crise hídrica.

A empresa divulgou seu balanço financeiro, um plano de investimento de R$ 12,76 bilhões para o período de 2014 a 2018, sendo R$ 5,3 bilhões para abastecimento de água, R$ 5 bilhões para coleta de esgoto e R$ 2,4 bilhões para tratamento de esgoto.

desperdicioaguaPara o presidente do Sintaema é preciso mais. “É necessário investir em novas tecnologias e no quadro de funcionários. Atualmente, a Sabesp conta com 15 mil trabalhadores concursados e 9 mil terceirizados e até quarteirizados. Isso afeta diretamente o problema da qualificação e da perda física [desperdício]”, alerta Renê Vicente.

Perda física que, aliás, pode ser considerada um desafio. Em 2013, a empresa perdeu 31,2% de toda a água produzida entre a estação de tratamento e a caixa d’’água dos consumidores. O índice representa cerca de 950 bilhões de litros – quantidade equivalente a quase todo o “volume útil” do Sistema Cantareira, que tem capacidade para 981 bilhões de litros.

Segundo a Sabesp, 66% das perdas são provocadas por vazamentos ou transbordamentos de reservatórios. Em sua defesa, a empresa alega que esses vazamentos ocorrem, principalmente, devido ao envelhecimento das tubulações e às elevadas pressões.

Para o presidente do Sintaema, a terceirização presente no setor só piora esse quadro. “Nós sabemos que um dos problemas advindos com a terceirização é a alta rotatividade, que está diretamente ligada à qualificação profissional. Não tem como não impactar”, reforça Renê Vicente.

Cinthia Ribas – Portal CTB

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