Carregado de mistérios, e com o segredo guardado a sete chaves, finalmente chega às livrarias o mais recente romance de Chico Buarque, O Irmão Alemão. Não sem antes o próprio autor ler trecho de sua obra em vídeo postado pela editora Companhia das Letras na internet. O esperado lançamento, já que o seu romance anterior, Leite Derramado (uma obra-prima), é de 2009, ocorre logo após a reeleição da presidenta Dilma, que contou com o apoio explícito de um grande número de artistas e intelectuais, entre eles, o próprio Chico, que por isso é odiado por setores da direita.
As personagens de O Irmão Alemão são tão marcantes quanto Matilde, de o Leite Derramado. Na obra deste ano, o narrador é uma espécie da alter ego profundamente ficcional de Chico Buarque. O autor alia análise psicológica dos personagens ao contexto social e histórica e numa viagem de pura magia transpõe narrações na Alemanha durante o período de implantação do nazismo – o seu irmão teria nascido em 1930 – e relata a sua trajetória no Brasil onde as relações familiares com a onipresença do seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, no livro um intelectual, praticamente ausente enquanto pai. E uma mãe, Maria Amelia, totalmente submissa, mas que sem ela o “grande intelectual” sucumbiria.
O livro é uma profunda viagem ao âmago do ser humano e da alma do brasileiro. Vai fundo para mostrar o povo brasileiro como único e, como diria Paulo Henrique Amorim, nem melhor, nem pior, apenas diferente dos outros povos. Chico vai fundo ao narrar nossas vicissitudes de modo singelo, onde “jeitinho brasileiro” pode ser tanto para o bem quanto para o mal, depende dos objetivos e das soluções. Mostra que o brasileiro é pouco afeito a leitura, mas enormemente ligado às leituras da internet para o bem ou para o mal também. Em suas 229 páginas, O Irmão Alemão não viaja apenas entre Alemanha e Brasil, mas nos leva ao túnel do tempo e retrata a sociedade contemporânea brasileira. Mostra a face mais cruel da elite com a sua soberba e sentimento antinacional e antipovo. Chega até a zombar da internet quando se torna blogueiro e viciado em sites pornôs e salas de bate papo.
Viaja também pela literatura onde apresenta grandes autores, certamente fontes de sua inspiração ou seria de seu alter ego ficcional? Com certas nuances autobiográficas, Chico vai de sua infância e adolescência e o seu relacionamento com seu irmão mais velho, esse brasileiro, em circunstâncias de tremendas confusões de sentimentos de veneração, inveja, amor e quase ódio, aliados a sua pouca autoestima. Nesse contexto entram namoradinhas e amigos de infância, de onde surgem dois grandes personagens.
Maria Helena, por quem ele nutria um amor platônico e não consegue fazer sexo com ela, quando ela aceita sua proposta e o amigo Ariosto, morto pela ditadura posteriormente e, ainda a mãe dele, que bem poderia ser Zuzu Angel, ou qualquer mãe que perdeu um filho nas mãos dos torturadores.
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O narrador dialoga o tempo todo diretamente com o leitor, destilando conceitos sobre a arte de escrever e escrever bem. Utiliza-se da metalinguagem para criar uma atmosfera ainda maior de curiosidade que prende o leitor do começo ao fim. Além de manter viva a curiosidade entre a realidade e a ficção. O tempo todo não se sabe se o irmão alemão é apenas fruto de sua imaginação literária. Na obra, o personagem idealiza esse irmão que tanto poderia ser um cantor, como o próprio Chico e ter viajado a Alemanha fazendo sucesso. E a idealização desse suposto irmão, o distância ainda mais do seu irmão brasileiro, longe de ser ideal, pois é real.
Além de viajar pela literatura, o autor também navega por outras mídias. Em diversos personagens entroniza a música, as artes plásticas, o cinema, o teatro. Enfim, a obra trafega pelo multifacetado caminho da cultura e de uma cultura tão diversa como a brasileira, os frutos devem ser variados e doces, às vezes nem tanto, pois Chico não perdoa a negligência de parte da elite com a cultura nacional e com o país em si.
E nas intermitências da vida, o protagonista evolui, levando consigo personagens fadados a ficar para a história da literatura brasileira como diversos outros de grandes escritores. E também demole de vez a visão de que não se pode fazer literatura com base na vida pessoal do autor. Visão que vaticinou o grande escritor Lima Barreto e hoje se sabe que os seus críticos estavam errados. Quer saber mais do que isso, melhor ler o livro.
Ao transformar em obra literária um aspecto real de sua vida, Chico consegue produzir outra obra-prima, que talvez um dia lhe renda um Nobel de Literatura? Já que o único escritor em língua portuguesa foi o português José Saramago em 1998 aos 76 anos. O Irmão Alemão comprova que quando se pensa que não se pode melhorar, sempre pode quando se trata de um grande autor.
Como diz em trecho da obra: “Na sua opinião seria como, para um ficcionista, terminar um livro que não quer ser terminado”. Assim parece a leitura dessa obra. Dá um sentimento de pena quando o livro acaba.
Por Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB
Chico Buarque lê trecho de seu livro em vídeo feito para a internet: