Um Piauí na Guerrilha do Araguaia

Em janeiro de 1969 era elaborado o documento intitulado “Guerra popular, o Caminho da Luta Armada no Brasil” que apresentava a identidade programática do movimento armado que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia. Ao fim da década de sessenta, algumas dezenas de jovens militantes do Partido Comunista do Brasil permeavam suas idéias pelas trilhas, matas, córregos e, principalmente, em meio ao povo natural da região. Era feita a propaganda que conclamava um mundo novo, justo e solidário, através do maior recurso didático da história: o exemplo de vida!

Em poucos anos conquistaram aliados e apoiadores, engendraram-se no cotidiano popular aprendendo e ensinando com o povo, sendo povo, confiaram e ganharam confiança. Nesse curso também despertaram atenção de implacáveis inimigos, viraram ameaça real aos poderosos. A repressão a este movimento foi brutalmente desproporcional, banhou de sangue brasileiro toda a mata, por meio de três grandes campanhas militares e operações de inteligência gigantescas envolvendo milhares de militares fortemente armados. Em 1975 o movimento estava contido. Por sua bravura e o sacrifício que exigiu, cabe às novas gerações erguer a memória heróica de seus lutadores, dentre eles, um jovem conhecido como Piauí que, se vivo, completaria em junho de 2016 seus 73 anos de idade.

Seu nome verdadeiro era Antônio de Pádua Costa, nascido na cidade de Luiz Correa, litoral do Piauí. Com aproximadamente 24 anos já militava no movimento estudantil atuando no Diretório Acadêmico do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro onde também era do Conselho do Dormitório do Alojamento do “Fundão”. Antonio de Pádua era estudante de Astronomia, afeito a raciocínios complexos, mas com muito senso prático, era de fato um pensador e um executor.

Foi logo em 1968, durante o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), que Antonio de Pádua entra no radar funesto da repressora ditadura militar. No frio matinal de um sítio no município de Ibiúna, no sul de São Paulo, algumas centenas de agentes do DOPS e da Força Pública fizeram cerco definitivo ao Congresso que se pretendia clandestino. Vários ônibus foram lotados de estudantes e, entre os eles, Antonio de Pádua foi levado para o presídio de Tiradentes e, por este não comportar todo mundo, depois para Carandiru. Desde esse momento Antonio de Pádua passa a viver sob cerco e perseguição da ditadura e, sem alternativas, cai na clandestinidade.

Mesmo antes de mudar para a região do Araguaia, Antonio de Pádua – ativo integrante do Partido Comunista do Brasil – já tinha relação com as movimentações no Araguaia, acredita-se que ele arrecadava contribuições e donativos na universidade para a guerrilha até 1970, quando vai definitivamente se juntar aos seus nas matas do Sudeste do Pará. Agora, de armas em punho, o jovem guerrilheiro já com 27 anos, passa a interagir com a comunidade. Descrito como alegre e brincalhão por pessoas naturais da área, se entrosava fácil, mas não se apartava da arma nem para dançar nas festas.

O guerrilheiro Piauí combate nas matas ate o começo de 1974 como Vice-Comandante e depois Comandante do Destacamento ‘A’. Os depoimentos revelam que Antonio de Pádua, após um confronto do seu Destacamento com o Exército teria vagado por semanas pelas matas na companhia de um garoto que era filho de um companheiro de armas já morto. Esse gesto revela a generosidade do revolucionário que dividiria então seus cuidados e parcos recursos entre a defesa da própria vida e o zelo pela criança órfã.

Quando foi entregar em segurança o garoto aos seus tios na cidade de São Domingos, foi ele entregue ao exército que amarrou e encapuzou o guerrilheiro faminto e cansado para levá-lo à Bacaba. Uma vez preso, o Piauí foi levado para o mato várias vezes onde deveria identificar esconderijos e depósitos de armas. Os depoimentos revelam que Antonio de Pádua (Piauí) andou com mateiros a serviço do exército apontando lugares que não eram mais usados pela guerrilha.

As informações apontam que no fim de março de 1974 na Casa Azul, em Marabá, onde funcionava uma casa de torturas para obter informações, quando perceberam que de nada lhes serviria aquele preso, as forças da repressão barbarizaram seu corpo com balas numa vala no coração da selva, onde também repousavam mais dois cadáveres. Era finda a curta mais intensa heróica vida de um comunista, piauiense, guerrilheiro do Araguaia e defensor da democracia.

Elton Arruda é Professor, Presidente da CTB no Piauí e membro da Direção Estadual do PCdoB no Piauí.

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