A surpreendente vitória de Donald Trump

Contra a vontade e as previsões de Wall Street, da Casa Branca, do Partido Democrata, de líderes do Partido Republicano como o ex-presidente George Bush e o senador John McCain, bem como da mídia e dos institutos de pesquisa, do establishment, o bilionário Donald Trump venceu as eleições presidenciais dos Estados Unidos.  

A Rússia aplaudiu a vitória, que veio na contramão das pesquisas e da torcida midiática que sugeriam uma vitória apertada de Hillary Clinton. Putin enviou um telegrama de felicitações ao presidente eleito e expressou a esperança de restaurar por completo as relações com os EUA. O resultado também foi bem recebido em muitos países que, em maior ou menor grau, estão em conflito com o império.

Contradições

Envolvido em mais de um escândalo durante a campanha eleitoral, o excêntrico bilionário revelou-se um político conservador e externou opiniões aberrantes e abertamente reacionárias (xenófobas, machistas e racistas), o que lhe valeu a simpatia e o apoio da extrema-direita em todo o mundo.

Mas quando o assunto é política externa, contraditoriamente, as posições de Donald Trump são mais sensatas e pacíficas que as da rival que derrotou. Ele não é flor que se cheire, mas a democrata Clinton, que foi declarada eleita precipitadamente pela mídia e os institutos de pesquisa, é muito mais perigosa para o mundo e em particular para o Brics (http://www.odiario.info/por-dentro-do-governo-invisivel-guerra/).

Ela fala a língua dos falcões do Pentágano, esteve por trás do golpe em Honduras, aplaudiu o assassinato de Kadhaf na Líbia e fez rufar os tambores da guerra contra a Rússia durante a campanha, acusando Putin de interferência no processo eleitoral e o Kremlin de hackear os comprometedores e-mails de sua autoria que foram divulgados pelo WikeLeaks.

Terceira Guerra

Quem se dá ao trabalho de observar com olho crítico a evolução do cenário internacional não pode deixar de notar os preocupantes e crescentes sinais de que os conflitos em curso no Oriente Médio e na Ásia estão pavimentando o caminho para uma guerra aberta entre Estados Unidos e Rússia, as duas maiores potências militares do planeta, com potencial nuclear para se destruírem mutuamente e levarem o mundo de roldão.

Oficiais estadunidenses, em mensagem dirigida aos russos, ameaçaram esmagar aqueles que tentam se opor aos EUA (http://www.odiario.info/ameacas/). A senhora Clinton elevou o tom contra Moscou, que está impondo derrotas ao império na Síria e na Ucrânia e defendeu a criação de “zonas de proteção” no entorno do país árabe com a finalidade de sufocar o governo de Assad.

“Se escutarmos Clinton vamos acabar numa Terceira Guerra Mundial”, disse Trump (http://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2016/noticia/2016/10/hillary-vai-causar-terceira-guerra-mundial-diz-trump.html). Creio que ele tem razão. Demonizado pela mídia imperialista por manter boas relações com o presidente russo, o presidente eleito nesta terça-feira acenou com o diálogo e relações pacíficas e é de se esperar uma redução das perigosas tensões entre os dois países.

No primeiro discurso após a vitória ele reiterou: “Buscaremos terreno comum, não hostilidade; parceria, não conflito” (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/11/1830706-leia-a-integra-do-1-discurso-de-trump-como-presidente-eleito-dos-eua.shtml). É preciso aguardar os acontecimentos e verificar se as palavras terão correspondência com a prática, até porque a máquina de guerra dos EUA costuma enquadrar presidentes. Mas a reação dos líderes russos é sintomática das novas expectativas que sua eleição despertou.

Os conflitos na Ásia

Há sinais de que a China também preferia Trump, apesar das ameaças de sobretaxação de suas exportações. Em artigo no jornal Global Times, Mei Xinyu, pesquisador do Ministério do Comércio da China, afirmou que será mais fácil para Pequim lidar com os EUA com Trump presidente. “Isso porque sob a linha política defendida por Obama e Clinton as fricções entre a China e os EUA serão mais frequentes”.

Clinton foi quem orientou o “pivô para a Ásia”, uma reorientação da geopolítica do império na região implementada pelo governo Obama com o propósito de ampliar o envolvimento dos EUA com seus aliados no continente para conter a expansão da China. Ela também está por trás dos conflitos diplomáticos em torno das ilhas do Mar da China, bem como da ideia de formar uma espécie de Otan asiática(http://www.ieei-unesp.com.br/portal/wp-content/uploads/2013/05/Politica-Externa-21-04-Amaury-Porto-Oliveira.pdf).

Trump, por outro lado, prometeu fechar a base militar dos EUA na Coreia do Sul. É duvidoso que venha a fazê-lo, mas a mudança de discurso não deixa de ser um sopro de alento numa conjuntura marcada pela crescente agressividade imperialista contra a Coreia do Norte, a China e a Rússia. A marcha dos conflitos em desenvolvimento na Ásia e Oriente Médio pode muito bem desembocar na Terceira Guerra Mundial.   

Retrato da decadência

A eleição de Trump é fruto da desindustrialização que devastou a economia dos EUA ao longo das últimas décadas e levou à decadência do país, à decomposição da ordem internacional fundada na hegemonia do dólar, à ruína de milhões de trabalhadores e à progressiva perda da liderança mundial para a China. Ele conquistou o voto da classe operária desempregada pela desindustrialização prometendo reverter o declínio e resgatar a capacidade produtiva do país.

O polêmico bilionário é o retrato acabado do declínio do império, que vem acompanhado da crise mundial do capitalismo, provavelmente a mais grave da história. É também a evidência do desprezo que o povo dedica ao corrompido sistema político do país imperialista, que se acha o mais democrático do mundo, e às lideranças políticas tradicionais. E não é para menos.

A classe trabalhadora pagou o ônus da crise com desemprego, despejos e arrocho. Obama governou para os ricos, canalizou trilhões de dólares para salvar os bancos, levando o governo às portas do colapso fiscal, e deixou os pobres ao deus dará. Do ponto de vista da política externa conseguiu ser pior que o funesto Bush, destruiu a Líbia, quer destruir a Síria e exacerbou os conflitos com a Rússia. A derrota da belicosa Clinton não merece lágrimas.

As eleições nos EUA valem menos por seus impactos domésticos do que por sua repercussão global. Andam dizendo que Trump será isolacionista. Não ponho fé nisto, mas a paz mundial teria uma chance se os Estados Unidos deixassem de meter o bedelho nos conflitos internos dos demais países. Se assim fosse nem golpe teria ocorrido no Brasil, assim como no Paraguai e em Honduras.

E por falar em golpe, o chanceler golpista, o falastrão José Serra (aquele mesmo senhor que foi acusado de receber na Suíça R$ 23 bilhões em propinas da Odebrecht, escândalo abafado pela mídia burguesa, e resgatou a política externa dos pés descalços, subalterna a Washington) teve que engolir as palavras. Antes das eleições, num momento em que a mídia cantava a vitória de Hillary Clinton, afirmou que a eleição de Trump seria “um pesadelo” (http://noticias.r7.com/brasil/serra-afirma-que-vitoria-de-trump-seria-um-pesadelo-31072016). E agora que o homem foi eleito, vai falar o quê?

Umberto Martins é jornalista e assessor da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB

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