Os juros na história

João Martins*

Tanto na Antiguidade quanto na Idade Média o juro, denominado, pejorativamente, de usura, era tido como imoral. A Igreja recusava, repudiava e proibia, terminantemente, a utilização da usura, tratando o tema como um problema ético. O empréstimo de dinheiro a juro era condenável.

Os gregos também se pronunciaram a respeito. Sua filosofia procurou elaborar uma doutrina do juro. Consideravam o juro como o “parto de dinheiro pelo dinheiro” e isso lhes parecia contrário à natureza, ilógico e profundamente imoral. Aristóteles defendia que “a ideia de empréstimo por amizade deve prevalecer sobre a de empréstimo por juro”.

O excedente vem do trabalho

Os canonistas apoiavam-se no pensamento bíblico, no Evangelho. A Bíblia, em várias passagens, condena vigorosamente a prática da usura, ou seja a cobrança de juro. Substituíram apenas o conceito de amizade, dos gregos, pelo de caridade.

Essa reprovação fica bem apontada no Novo Testamento, particularmente em Lucas: “…fazei o bem, emprestai, sem nada esperardes…” Com sabedoria, sentenciava: “Se há um excedente que se vem acrescentar à quantia emprestada, este excedente não provém do dinheiro, mas do trabalho”. Convém notar que esta compreensão corresponde à teoria exposta por Karl Marx em “O capital” de que o dinheiro é a expressão monetária de tempo de trabalho.

Para os canonistas, a usura “exige pagamento por um bem comum a todos, que é o tempo”.

“A usura é filha do tempo. Não se empresta a coisa, mas o tempo durante a qual ela é emprestada, e a ninguém pertence o tempo, senão a Deus, não se pode, pois, emprestá-lo”.

Capitalismo

O desenvolvimento do capitalismo e do mercado mundial, a reforma protestante em sua vertente calvinista e a expansão comercial, quando se estabelece uma relação conflituosa entre mercadores cristãos e não-cristãos (incluindo os judeus), são alguns fatores que acabaram estimulando a cobrança de juros, levando a Igreja a flexibilizar seus conceitos morais e fazer concessões sobre a prática da usura.

Com a transformação do capitalismo em imperialismo, fruto da centralização do capital e formação dos monopólios e das modernas transnacionais, emergiu uma aristocracia financeira que passou a comandar o processo de expansão do capital em todo o globo, expandindo seus tentáculos pelos cinco continentes e espoliando os países mais atrasados através da lógica dos juros compostos.

A crise da dívida externa na América Latina e no chamado Terceiro Mundo no último quartel do século 20 demonstrou as consequências perversas do pagamento dos juros de débitos contraídos em dólares para o Brasil, o México, a Argentina e muitos outros países da América Latina e Caribe. O mesmo foi observado na África e na Ásia.

A acumulação e expansão do capital através da apropriação de juros, num processo em que dinheiro gera dinheiro (D-D´, conforme a fórmula proposta por Marx) como numa mágica capitalista, conduziu os EUA e o mundo à crise financeira global de 2008, cujos efeitos são sensíveis até hoje.

Consequências perversas

Em um de seus textos, o economista André Lara Resende, traz a lembrança de que John M. Keynes, em seu clássico “Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda”, argumenta que “a longa tradição de condenação dos juros altos merece ser reabilitada”.

Lara Resende sustenta: “ o efeito da taxa de juros no controle da liquidez e de inflação é questionável, mas o seu efeito sobre o custo da dívida pública é inquestionavelmente perverso”. Em 2022 o pagamento dos juros consumiu 46,3% do orçamento da União, bem mais do que o dobro da Previdência Social (20,7%), apontada pelos neoliberais como a vilã do desequilíbrio das contas públicas.

Além de restringir os investimentos públicos, os juros altos também limitam os investimentos privados e o consumo dos indivíduos, inibindo desta forma o crescimento econômico e a redução do desemprego. A taxa real de juros (taxa nominal menos inflação) no Brasil (8,5%), além de ser o maior do mundo, é o dobro do 2º colocado, México e o triplo do 3º, o Chile e muito acima das praticadas nas economias avançadas que operam, apesar dos aumentos, com taxas de juros ainda negativas.

O Presidente Lula está certo em condenar a taxa de juros no Brasil. Mudar a política monetária é uma luta que deve incorporar a classe trabalhadora, os empresários do setor produtivo e a maioria da sociedade, que está sendo espoliada pela ganância e voracidade dos detentores do capital financeiro e dos títulos da dívida pública.

*Ex-deputado estadual pelo PCdoB-ES