Nunca vivemos numa nação livre do racismo e da escravidão

Retratar pela lente da sétima arte os desafios e o drama de uma vida real marcada pelo trabalho escravo. No último dia de atividades do Seminário Internacional Trabalho Decente, nesta quinta-feira (3), foi exibido o longa metragem “Pureza”, de Renato Barbieri, seguido de uma roda de conversa sobre escravidão contemporânea. O evento foi realizado na sede do Tribunal Superior do Trabalho , em Brasília, entre 1º e 3 de agosto.

Pureza

No filme, a atriz Dira Paes interpreta Pureza Lopes Loyola, que, durante  três anos, desafiou fazendeiros e jagunços para resgatar seu filho da escravidão contemporânea na Amazônia brasileira. Por motivos de agenda, Dira Paes não pode comparecer ao evento, mas gravou um depoimento ressaltando a importância da iniciativa do TST de trazer o tema para debate. 

Roda de conversa

Roda de conversa após a exibição do filme

Participaram da roda de conversa sobre trabalho escravo, após a exibição do filme, o diretor, Renato Barbieri, o jornalista Leonardo Sakamoto, autor do livro “Escravidão Contemporânea”, e a procuradora do trabalho Lys Sobral Cardoso, coordenadora da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete).

Transformação 

Renato Barbieri ressaltou que uma das propostas do filme é provocar um impacto social, ao dar visibilidade a essa realidade de violência no campo, que demonstra que nunca vivemos em uma nação livre do racismo e da discriminação de gênero e de classe. Para ele, somente pelo fortalecimento das ilhas de excelência representadas por diversos segmentos (Ministério Público, fiscalização, Polícia Federal, Justiça do Trabalho, etc.) será possível erradicar o trabalho escravo.

“Temos uma responsabilidade imensa de levar o mundo para outro lugar  que não é este do abismo, e a arte também tem seu papel”, afirmou. “Temos de nos unir, pois a vida não pode esperar. Estamos todos sendo convocados para essa urgência da erradicação, e quando essas ilhas de excelência se juntam é possível fazer algo muito transformador”.

Cadeia produtiva 

Para Leonardo Sakamoto, é preciso entender que o trabalho escravo não nasce simplesmente por conta de um desvio de conduta. “Ele é fruto de um contexto econômico que contempla toda uma cadeia produtiva global e local de quem contrata, quem produz e quem compra”, explicou. O jornalista ressaltou que o impacto do trabalho escravo no cenário econômico está ligado à obtenção de vantagens competitivas ilegais em uma  concorrência desleal.  “O que queremos é o capitalismo em um contrato de compra e venda da força de trabalho e o respeito aos direitos previstos na CLT”, defendeu. 

Compaixão

Para a procuradora do trabalho Lys Sobral Cardoso, a saga vivida por Pureza retrata as várias formas invisíveis de violências presentes na realidade do trabalho escravo no país. “Precisamos estar atentos para que se perceba o tipo de violência que se traduz nesta dura realidade em que mais de 62 mil pessoas já foram resgatadas”, observa. “Que a gente não perca a compaixão pelo outro, ainda que não sejamos nós as vítimas”.

Brasil de verdade 

Ao encerrar as atividades do seminário, o presidente do TST, ministro Lelio Bentes Corrêa, reforçou a missão da Justiça do Trabalho como uma justiça social agregadora e cada vez mais próxima do cidadão. “Nesses dois dias, ouvimos o Brasil de verdade. O Brasil profundo veio ao TST, e essa é a casa dessas pessoas”, ressaltou. “Às vezes, o que elas mais anseiam, além da necessária justiça e do reconhecimento de direitos, é o acolhimento, o abraço e a proteção com a qual nos comprometemos quando assumimos a honrosa e desafiadora missão de levar justiça a todos”.

Entendimento internacional

No encerramento do seminário, o presidente do TST e o juiz Sergio Javier Molina Martínez, do México, assinaram um Memorando de Entendimento entre os países. O objetivo é estabelecer a cooperação em áreas de comum interesse, com o propósito de estabelecer o quadro de referência para o desenvolvimento de ações conjuntas que facilitem o entendimento mútuo dos sistemas de Justiça trabalhista. 

“Com essa parceria com o Conselho da Justiça Federal do México, estamos dando um passo muito decisivo no sentido de ampliarmos as nossas reflexões e nossos debates e fortalecermos as jurisdições sociais em toda a América Latina”, frisou o ministro Lelio. Já Molina convocou toda a classe jurídica. “Somos os principais fatores dessa mudança no Brasil e no México”.

Andréa Magalhães e Lara Aliano/CF – TST

Foto: Felipe Reinheimer