A situação no Níger e as questões em jogo

Os acontecimentos recentes no Níger configuram mais um golpe contra o imperialismo francês, conforme argumenta o Partido Comunista Revolucionário da França (PCRF) na nota reproduzida abaixo:

Em 26 de julho de 2023, em Niamey, no Níger, o presidente Mohamed Bazoum foi deposto por Abourahamane Tiani, ex-chefe da guarda presidencial que esteve ao seu serviço   durante 10 anos, com a ajuda de parte do aparelho militar nigerino e o apoio ativo de grande parte das massas nigerinas, como testemunha a manifestação de domingo, 30 de julho, que reuniu milhares de manifestantes em frente à embaixada francesa.

Este terceiro golpe de Estado no Sahel desde 2020  –  e mais uma vez encontramos a mesma justificação política e a mesma razão para um verdadeiro apoio popular, mesmo que, para o PCRF, a tomada do poder pelo exército não constitua de forma alguma um derrubamento revolucionário do Estado burguês a favor do povo do Níger –  representa o xeque-mate absoluto do Estado francês na sua linha de frente militar no Sahel. Mali e Burkina Faso foram os primeiros países a emancipar-se de uma presença militar [francesa] cujo papel se tornou cada vez mais claro para as massas populares do Sahel: o de preservar os interesses do imperialismo francês no Sahel, em vez de pôr fim à jihad.

Todo o aparelho imperialista da União Europeia foi acionado para apoiar o Estado francês, que sofreu uma terceira grande derrota na sua histórica zona de influência. A Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) fez um ultimato para que os golpistas reintegrassem Mohamed Bazoum, sem o que todas as transações comerciais seriam interrompidas, não  excluindo o recurso à força.

Os chefes de estado-maior da organização reuniram-se em Abuja até sexta-feira, dois dias antes do fim do ultimato. Em linha com o bloqueio econômico decidido no domingo, a Nigéria cortou o seu fornecimento de eletricidade ao Níger, que  depende 70% do seu vizinho para o fornecimento de energia. Alemanha, França e União Europeia seguiram o exemplo, suspendendo todos os fluxos monetários e exportações para o Níger por enquanto, tendo Emmanuel Macron convocado uma reunião extraordinária do Conselho de Defesa. Biden esteve presente também e pediu a libertação do presidente deposto e da sua família, tendo os EUA a segunda maior presença militar estrangeira no Níger, com mais de 1.000 soldados no terreno (a França tem 1.500). O Banco Mundial anunciou a suspensão dos pagamentos “de todas as suas operações até novo aviso”.

Por que é que as trabalhadoras, os trabalhadores e as camadas populares que vivem na França não têm interesse em apoiar tais medidas, e por que é necessário unir forças contra elas?

Sob a sua fachada democrática, a burguesia francesa é, de facto, uma potência imperialista agressiva e rapace no Sahel. A Operação Barkhane, que está oficialmente encerrada, deu lugar a uma presença militar na casa dos milhares, principalmente no Chade e no Níger, sem qualquer enquadramento legal. Atualmente, há uma luta para recuperar uma zona de influência essencial para recursos minerais como a bauxite, o cobre e o zinco. Não esqueçamos que o Níger dispõe de recursos de urânio significativos para a França, que não quer abandoná-los, particularmente num momento de contradições interimperialistas com o Estado russo, que grassa no Sahel. Hoje, o Níger é responsável por 5% da produção mundial de urânio e 15% do abastecimento francês. O grupo francês ORANO (ex-Areva) continua a operar na mina de urânio de Somaïr, 800 quilômetros a norte da capital Niamey, com cerca de 900 funcionários – quase todos nigerinos – e 1.200 subcontratados.

O monopólio francês ORANO, detido em 90% pelo Estado burguês, está presente no Níger há mais de 50 anos através de três subsidiárias organizadas sob a lei nigerina, e tem três locais de mineração dedicados à extração de urânio, o minério que alimenta reatores nucleares. Trata-se da Compagnie des mines d’Akokan (Cominak), da Société des mines de l’Aïr (Somaïr) e da Imouraren. Todos são propriedade conjunta do Estado nigerino e estão no deserto do noroeste do país, perto da cidade de Arlit. Na unidade de Imouraren, a produção ainda não começou. Este local é frequentemente apresentado como a “mina do século”, com reservas estimadas em quase 200.000 toneladas de urânio.

A contrarreforma das pensões [aumento da idade da reforma] e a fascistização em curso do aparelho de Estado na França metropolitana estão substancialmente ligadas a uma situação internacional em que a burguesia francesa é cada vez mais agressiva na defesa, reforço e alargamento das suas zonas de influência, como evidenciam monopólios como a Vivendi ou a Total, bem conhecidos das massas populares em todo o Sahel pelas suas exportações de infraestruturas, pilhagem de recursos naturais e manipulações políticas para capturar setores da burguesia nacional. Paralelamente ao aumento da agressividade no exterior, o Estado capitalista precisa intensificar a exploração e a repressão em casa.

De fato, não existe uma separação estanque entre as lutas dos trabalhadores franceses pelas suas pensões, contra a violência policial, e a luta das massas populares nigerinas pelo seu direito à autodeterminação em todos os níveis.

A questão estratégica agora é: as riquezas do subsolo do Níger continuarão a ser exploradas por empresas monopolistas francesas ou pelos monopólios de outros imperialismos?

O povo trabalhador do Níger deve livrar-se do capitalismo. Ele pode descobrir por si mesmo que, substituindo um imperialismo por outro, nenhum problema na vida do povo do Níger será resolvido.

O PCRF exige respeito pela soberania nacional e popular do Níger. O resultado do processo atual neste Estado africano dependerá do nível de liderança política assumida pela classe trabalhadora e pelas massas em direção a um anti-imperialismo popular  para o socialismo.

O PCRF exige a retirada imediata das tropas francesas do Níger e de todo o Sahel. Nem mais um soldado francês fora da França, encerramento de todas as bases militares francesas no estrangeiro.

Fonte: https://www.pcrf-ic.fr/Niger-Communique-du-PCRF

Foto: EFE/EPA/ISSIFOU DJIBO