Bolsonaro e o complexo de vira-lata da extrema direita brasileira

O complexo de vira-lata foi descrito em 1958 pelo jornalista brasileiro Nelson Rodrigues como “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. Notemos que esta é uma característica da personalidade de membros das classes dominantes e seus representantes políticos. Foi este “complexo” que transpareceu nas recentes declarações do líder da extrema direita brasileira Jair Bolsonaro justificando a política xenófoba do presidente dos EUA, Donald Trump, para os imigrantes, autoritária e violenta, sem nenhum respeito pelos direitos humanos.

Cabe lembrar que Bolsonaro e a tropa bolsonarista se autointitulam de patriotas, mas o título de patriotas não cai bem em quem se comporta como uma cadela diante de autoridades dos EUA que não escondem seu desprezo pelo povo brasileiro. Na verdade, comportam-se como entreguistas desprezíveis, lacaios do imperialismo. É o que se pode concluir da leitura do artigo do jornalista Leonardo Sakamoto intitulado “Fala de Bolsonaro envelhece mal após agressão a brasileiros deportados”, reproduzido abaixo.

Diante de denúncias de maus tratos de agentes de segurança do governo dos Estados Unidos contra brasileiros deportados, neste sábado (25), envelheceu mal a recente declaração do ex-presidente Jair Bolsonaro defendendo a promessa de Donald Trump de expulsar milhões de migrantes que estão de forma irregular no país. O Ministério das Relações Exteriores vai pedir explicações ao governo dos EUA sobre o tratamento degradante dispensado aos brasileiros no vôo.

“Ele está fazendo a coisa certa. Foi compromisso de campanha”, disse em entrevista à CNN, na última quinta (23), ao elogiar a política adotada por Trump. “Acho que ele está fazendo o que prometeu, e, no lugar dele, eu faria a mesma coisa”, completou.

Os relatos e imagens de agressões físicas e verbais durante o voo de repatriação lembram que o processo de deportação não é como um passeio no parque. Inclui detenções por meses e tratamento desumano a migrantes indocumentados — que produzem riqueza, pagam impostos através do consumo e assumem funções que a maioria dos cidadãos norte-americanos não quer. Voos de deportação de brasileiros acontecem há anos, a questão é que, desta vez, elas vieram com agressões.

Uma das máximas da diplomacia é que países não têm amigos, mas interesses, e o principal deles deveria ser sempre o bem-estar de seus próprios cidadãos.

Trump defender o que ele diz ser o interesse de seus cidadãos é parte do papel que está interpretando. Ressalte-se que esse papel bate de frente com o princípio da dignidade humana e que ele vem fomentando xenofobia nos EUA com a demonização de migrantes, generalizando que são estupradores e ladrões que fugiram das prisões de seus países e que roubam gatos e cachorros para comer.

Mas quando Bolsonaro defende uma política estrangeira que acaba batendo de frente com a dignidade de brasileiros, aí é outra coisa. Isso pode fazer sentido com uma parte do eleitorado daqui, que se autoproclama “patriota”, mas vive enrolada com a bandeira de outro país. Contudo, pega mal para muita gente.

Suas declarações de apoio à violenta política de Trump de deportação de migrantes não são novas. Por exemplo, em entrevista à Fox News, em 19 de março de 2019, disse que “a grande maioria dos imigrantes em potencial não tem boas intenções nem quer o melhor ou fazer bem ao povo americano”.

Considerando que são muitos os brasileiros entre os que migram para os EUA e, mais do isso, que tanto lá como o Brasil são países que se constituíram por migrações (forçadas e espontâneas) de pessoas de várias partes do mundo, o então presidente brasileiro conseguiu insultar sua própria gente em uma TV estrangeira.

“A grande maioria dos imigrantes” tem sim boas intenções e faz o bem ao povo que os acolhe. São eles que exercem o trabalho sujo que poucos querem fazer, limpam latrinas, costuram roupas, cozinham e servem, recolhem o lixo, limpam as ruas, constroem casas.

Expulsos pela falta de emprego ou pela violência, brasileiros e outros latino-americanos entram e se estabelecem de forma irregular nos EUA. Não querem desrespeitar a lei, mas guiados pela propaganda de que lá ainda é a terra da oportunidade, buscam uma vida melhor.

Políticos brasileiros deveriam defender a dignidade de seus conterrâneos e não as políticas migratórias de outro Estado.

Desde sua campanha eleitoral de 2016, Donald Trump culpa os migrantes pobres por desgraças que acontecem em solo norte-americano – de estupros ao tráfico de drogas e principalmente o terrorismo. Chegou a dizer que “infestam” o país e os chamou de o “mal”. Dobrou a aposta na campanha do ano passando, associando-os a tudo o que não presta e prometendo expulsar milhões. O que, ironicamente, vai afetar a economia pelo impacto na falta de mão de obra e custar bilhões.

E vale lembrar sempre que a maioria dos atiradores que matam em escolas e igrejas nos Estados Unidos são homens, brancos, héteros, nascidos por lá.

O que políticos brasileiros ganham ao dar declarações que fazem coro com o pior do nacionalismo norte-americano e europeu?

Quando Bolsonaro estava no governo, talvez quisesse se mostrar tão útil que o norte-americano o considerasse um parceiro prioritário. O que não deu lá muito certo porque o Brasil entregou alinhamento automático e, mesmo assim, baixou a cabeça em questões como o aço ou etanol. Hoje, talvez garantir que Trump lembre dele e pressione as instituições brasileiras para cancelar sua inelegibilidade visando a 2026 — apesar de ser mais fácil o tal camelo passar pelo buraco da tal agulha do que isso acontecer.

Acender a libido da ala radical de seus seguidores em redes sociais. Ganhar um afago ou um biscoito da extrema direita norte-americana e internacional. O problema é que ser subserviente nunca fez com que alguém ganhasse respeito. Pelo contrário.

Foto: Ueslei Marcelino

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.