Correios estatais: relevância e resistência em um mundo digital

Foto: CTB.

Por: Ronaldo Leite.

A razão central para a permanência desses operadores postais públicos está no conceito de serviço postal universal. Essa política garante que qualquer pessoa, em qualquer parte do território, tenha direito ao acesso a serviços postais de qualidade, com regularidade e a preços acessíveis.

Os Correios estatais continuam exercendo um papel essencial em muitos países, mesmo diante das transformações profundas trazidas pela era digital. Em vez de desaparecer, ganharam novas funções e reafirmaram sua importância como instrumentos de inclusão, coesão social e soberania nacional. Mesmo com a queda no volume de cartas, mais de uma centena de países ainda mantêm seus operadores postais sob gestão pública. Estados Unidos, China, França, Espanha e Brasil são alguns dos exemplos.

Em diferentes modelos e com distintos níveis de controle estatal, a presença pública nos serviços postais ainda é a norma. Longe de ser um vestígio do passado, os Correios estatais respondem com modernidade às necessidades sociais, territoriais e estratégicas do presente.

Nos países em que se mantêm sob controle público, os correios assumem um papel que vai muito além da entrega de correspondências. Durante a pandemia de Covid-19, os Correios públicos mostraram sua capacidade de adaptação e compromisso com a vida. Na China, por exemplo, a China Post é totalmente estatal e cumpre uma missão pública clara: garantir o serviço postal universal mesmo nas regiões mais remotas e de difícil acesso do país. A empresa opera com subsídios cruzados e oferece serviços bancários através do Postal Savings Bank of China, promovendo inclusão financeira em milhares de distritos sem agências bancárias comerciais. Durante a pandemia, a China Post distribuiu medicamentos, kits de saúde e materiais escolares. Eles integram políticas públicas, garantem acesso universal à comunicação, promovem inclusão territorial e fortalecem a soberania.

Na Índia, os trabalhadores da India Post, um dos maiores sistemas postais do mundo, continuaram atuando nas ruas e vilarejos do país durante a pandemia. Com mais de 156 mil agências, sendo 90% delas localizadas em áreas rurais, o serviço postal indiano tornou-se a principal alternativa para entregas urgentes de medicamentos, alimentos e outros itens essenciais em um momento em que empresas privadas restringiram suas operações. A importância da capilaridade e da confiança da população nos carteiros reacendeu o reconhecimento público da relevância desse serviço, especialmente em tempos de crise.

Na Espanha, os Correos atuaram na linha de frente da resposta social à pandemia, colaborando com o transporte de suprimentos médicos, apoio logístico ao sistema de saúde e a distribuição de equipamentos de proteção individual em diversas regiões.

Na Irlanda, carteiros da An Post também adotaram medidas semelhantes. Além de entregas essenciais, passaram a realizar visitas presenciais a idosos e pessoas vulneráveis por meio da iniciativa “Request a Check-In”, que permitia que familiares ou vizinhos solicitassem, gratuitamente, que o carteiro local passasse na casa de alguém em situação de isolamento. Caso a pessoa visitada precisasse de ajuda com compras ou medicamentos, o carteiro podia encaminhá-la ao serviço de apoio da organização ALONE ou acionar diretamente a rede de resposta comunitária. A ação reforçou o papel de proximidade e confiança dos serviços postais em meio à crise sanitária.

No Brasil, os Correios, reconhecidos como serviço essencial, mantiveram suas operações durante todo o período de isolamento social, garantindo à população o acesso a encomendas, materiais escolares e correspondências. Mesmo em meio às restrições, a empresa adotou protocolos de segurança para proteger trabalhadores e usuários, mantendo as entregas presenciais em áreas urbanas e rurais, e reafirmando seu compromisso público.

A razão central para a permanência desses operadores postais públicos está no conceito de serviço postal universal. Essa política garante que qualquer pessoa, em qualquer parte do território, tenha direito ao acesso a serviços postais de qualidade, com regularidade e a preços acessíveis. Trata-se de uma obrigação que o mercado não cumpre espontaneamente. Onde o serviço foi privatizado, em muitos casos houve retração do atendimento, aumento de preços e abandono de regiões remotas.

Essa capacidade de resposta em momentos de crise mostra que os Correios são parte da infraestrutura estratégica do Estado. Em muitos lugares, são o único ponto de contato direto entre governo e população. Realizam pagamentos, distribuem material educativo, oferecem serviços bancários, fazem cadastramentos e entregam documentos oficiais. Nos Estados Unidos, a USPS garantiu o voto por correspondência para milhões de pessoas em áreas rurais na eleição de 2024, reforçando o papel do correio na garantia da democracia. Além disso, o USPS implementou o programa “Delivering for America”, um plano de 10 anos que prevê investimentos de bilhões de dólares em infraestrutura, modernização e sustentabilidade, reafirmando o papel estratégico da instituição.

Quando comparamos com o setor privado, a diferença se aprofunda. Empresas como UPS e FedEx cobram sobretaxas elevadas para entregar em zonas rurais nos EUA ou, simplesmente, não operam em regiões menos rentáveis. Relatório do Institute for Policies Studies, de abril/25, mostra que, se o serviço postal for entregue completamente ao setor privado, milhões de pessoas seriam excluídas ou obrigadas a pagar tarifas muito maiores. O resultado é o aprofundamento das desigualdades territoriais e a mercantilização de um serviço que deveria ser um direito.

Em vez de considerar o serviço postal como um vestígio do passado, a experiência internacional mostra que muitos países têm apostado em reinventar seus Correios públicos com novas funções, tecnologias e fontes de receita, mantendo o compromisso com a universalização, o desenvolvimento territorial e o bem-estar da população. Essa abordagem não apenas preserva empregos de qualidade. Ela também garante atendimento equitativo e fortalece a presença do Estado onde ele é mais necessário. e garante atendimento equitativo, como também fortalece a presença do Estado onde ele é mais necessário.

A UNI Post & Logistics, que representa mais de 2 milhões de trabalhadores postais em mais de 150 países, defende esse caminho: correios 100% públicos, sustentáveis, digitalizados e capazes de oferecer novos serviços sociais e financeiros, como o atendimento a idosos, logística de saúde e inclusão digital. A UNI atua fortemente na defesa da missão pública dos operadores postais, apoiando campanhas contra privatizações e promovendo políticas de modernização com inclusão. No Brasil, a FINDECT (Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Correios) tem atuado com firmeza nesse debate, articulada à UNI, reforçando a importância dos Correios como instrumento de coesão social, desenvolvimento nacional e integração territorial. A federação defende uma modernização com valorização dos trabalhadores e preservação do caráter público da empresa.

A defesa dos Correios públicos, presente em tantas nações, não é um gesto de resistência nostálgica, mas uma escolha estratégica. Em tempos de transformação tecnológica e desigualdade crescente, garantir que todos tenham acesso a um serviço postal universal, acessível e de qualidade é reafirmar o compromisso com a cidadania e a coesão nacional. Manter os Correios como patrimônio público é investir em um futuro que não deixa ninguém para trás.

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