Crise global do capitalismo e desafios do movimento sindical

Durante a reunião da Direção Nacional da CTB, realizada na quinta (20) e sexta-feira (21), em Salvador, o jornalista Umberto Martins, assessor da central, fez uma análise da conjuntura da qual reproduzimos os trechos abaixo: 

Vivemos no contexto do que podemos chamar de crise global do capitalismo e, em particular, da ordem imperialista hegemonizada pelos EUA.

É uma crise ao mesmo tempo econômica e geopolítica.

Em sua dimensão econômica, a crise tem por características ciclos de baixo e decrescente crescimento dos PIBs, com uma tendência à estagnação das economias, intermediados por depressões de alcance global como as de 2008, iniciada nos EUA, e de 2020-21, alavancada pela pandemia da Covid-19.

Cabe ressalvar que, embora seja uma crise global, seus efeitos se manifestam de forma diferente nas diferentes regiões e países, acentuando o processo de desenvolvimento desigual e o deslocamento do poder econômico e geopolítico do Ocidente para o Oriente, fenômeno que está na origem da crise geopolítica.

A crise geopolítica é hoje notória e ocorre no curso de uma transição para uma nova ordem internacional que, embora envolva a ação e as estratégias políticas das potências e dos Estados-nações, tem raiz em transformações objetivas que estão em curso há décadas na economia mundial e ocorrem à margem da vontade e dos interesses dos governos e classes dominantes.

São fenômenos objetivos porque os governantes, por mais poderosos que pareçam ser, são impotentes para contê-los ou revertê-los.

O crescente poder econômico e geopolítico da China nesta altura da história deriva objetivamente da sua expansão econômica no exterior, determinada pelo comércio e, principalmente, pelos investimentos externos diretos e indiretos, cabendo assinalar que são dois fatores interdependentes e entrelaçados.

A guerra econômica iniciada por Donald Trump e intensificada por Joe Biden prejudicaram a economia chinesa, mas tiveram ao mesmo tempo efeitos colaterais que prejudicaram a economia estadunidense e não impediram a ascensão econômica e geopolítica no mundo, não reverteram o sentido do desenvolvimento desigual das nações que favorece Pequim em detrimento de Washington e o Brics em relação ao G7.

A ordem mundial entrou em decomposição porque a sua base, a hegemonia econômica dos EUA, ruiu, porque sua indústria foi superada pela indústria chinesa e este é um fenômeno objetivo

O parasitismo expresso num déficit comercial colossal e a consequente desindustrialização provocaram o declínio da liderança econômica norte-americana. Em contrapartida, o crescimento vertiginoso da indústria foi e ainda é a força motriz da ascensão da China.

Mas, a China transformou-se também na principal potência financeira do planeta. O país é hoje o maior investidor e maior credor global. Detêm as maiores reservas e a propriedade dos quatro maiores bancos do mundo, nenhum deles em mãos privadas, todos pertencentes ao Estado chefiado pelo Partido Comunista.

Os EUA, em contrapartida, são campeões em matéria de dívidas, com uma economia turbinada pelo crédito, déficits gigantes e guerras. Perderam capacidade e protagonismo em matéria de investimentos externos e, como consequência, prestígio e poder geopolítico.

A China lidera o comércio exterior e também os investimentos globais, extraindo daí o seu crescente prestígio e poder geopolítico. Sua ascensão não deriva diretamente do crescimento desigual do PIB, mas do comércio e, principalmente, dos investimentos realizados no exterior, notadamente na “nova rota da seda”.

É necessário assinalar que esta crise traz em seu bojo o acirramento das lutas de classes, dos choques entre capital e trabalho e das tensões e conflitos internacionais.

O novo mundo é ainda embrionário e o velho não quer ceder espaço.

Os EUA e as potências capitalistas do chamado Ocidente resistem aos ventos da mudança. Querem manter a ordem imperialista formatada pelos acordos de Bretton Woods 80 anos atrás e que caducou com o enfraquecimento da economia estadunidense e está em decomposição.

Washington elegeu como seu principal objetivo geopolítico conter a ascensão da China e recompor sua hegemonia. Isto não está em sintonia com o rumo objetivo da economia mundial e da história.

Do ponto de vista econômico já não é um objetivo factível.

Além da malfadada guerra comercial e tecnológica, as sanções contra a Rússia ilustram a impotência do velho imperialismo.

Apresentadas inicialmente como uma bomba atômica econômica contra Moscou, seus resultados até o momento mais se assemelham ao de um tiro pela culatra.

No ano passado, o PIB russo subiu 3,6% e a renda da população avançou 4,6%, segundo informações do governo. Em contraste, a zona do euro estagnou, com uma variação próxima a 0,5% do produto interno. Alemanha e Reino Unido estão em recessão. Os EUA cresceram 2,5% em 2023.

Se as sanções não alcançaram os objetivos desejados, em contrapartida o uso do dólar como arma (contra a Rússia, Venezuela e Irã) contribuiu para debilitar a fé no dólar e incentivar o movimento, crescente, de desdolarização das transações econômicas globais.

A cisão geopolítica do mundo, tendo por um lado o chamado Ocidente (que, no caso, inclui o oriental Japão) e do outro o Brics mais países africanos, asiáticos e latino-americanos, já é uma realidade que ficou aparente na reação dos governos à vitória de Putin nas eleições presidenciais da Rússia.

A decadência econômica associada a um objetivo geopolítico irrealista alimentam a tentação do recurso à guerra. Crescem os ricos de uma 3º Guerra Mundial 

Agregue-se a tudo isto a crise ambiental, que chegou a um ponto crítico e, segundo especialistas, demanda políticas inadiáveis de proteção à Natureza, contenção do desmatamento e da poluição, que também não parecem plausíveis nos marcos da atual ordem mundial. 

Conjuntura nacional   

É neste ambiente de crise global que o Brasil está inserido.

Nada indica que esta crise terá um desfecho em curto prazo. 

Sua solução vai demandar anos ou, quem sabe, décadas.  

Isso significa que a crise tende a se agravar e que turbulências bem maiores do que as que temos vivido até agora estão a caminho da história.

A decomposição da velha ordem vem acompanhada ainda do renascimento e da ascensão da extrema direita, um fenômeno mundial que não podemos subestimar e devemos procurar compreender com maior profundidade. 

Alicerçada em Fake News, a extrema direita se apresenta como antissistema, promete a ruptura com o “sistema corrupto” e até se diz revolucionária.

O neofascista Milei é descrito como “o libertador” pela mídia burguesa e virou um queridinho da oligarquia financeira. 

Apareceu em propaganda durante a campanha destruindo o Banco Central, para muitos o símbolo de um sistema financeiro ganancioso e opressor.

A esquerda surge neste jogo de aparência e é apresentada não como defensora de transformações sociais mas como guardiã do sistema, como o partido da ordem, uma ordem burguesa, fracassada e corrompida.

No Brasil, vivemos uma situação política um tanto quanto bizarra. A esquerda ganhou as eleições, mas parece hoje na defensiva e desorientada.

O governo Lula procura reverter os retrocessos impostos o golpe de 2016 e deu passos positivos neste sentido, como o restabelecimento da política de valorização do salário mínimo, mas esbarra em interesses poderosos.

Há forte oposição à sua agenda democrática e progressista por parte das classes dominantes não só da extrema direita como também na direita tradicional, que tem a mídia burguesa por porta-voz.

As políticas monetária e fiscal restringem as possibilidades de recuperação e crescimento da economia.

No plano político, presenciamos o avanço da extrema direita, que hoje preside comissões estratégicas na Câmara dos Deputados, no interior de um Congresso Nacional majoritariamente conservador e avesso a qualquer iniciativa progressista. 

Formou-se um cenário político complexo. Apesar das iniciativas do presidente Lula para reverter os retrocessos, combater as desigualdades e melhorar a vida do povo, as pesquisas indicam uma preocupante redução do índice de aprovação do governo. 

Importância das eleições municipais

Sobressai-se entre os desafios do movimento sindical para este ano a participação nas eleições municipais convocadas para outubro, cujos resultados serão decisivos para a definição da correlação de forças que prevalecerão em confrontos futuros. É preciso batalhar pela vitória de candidaturas comprometidas com as bandeiras classistas e pela derrota e o isolamento da extrema direita.

É imperioso revogar o entulho autoritário e regressivo dos governos Temer e Bolsonaro. O movimento sindical, debilitado, precisa garantir o seu direito à subsistência e reunir forças para derrotar as iniciativas raivosas da extrema direita no Congresso Nacional contra a organização sindical e ampliar sua capacidade de mobilização e, com isto, o protagonismo da classe trabalhadora no cenário político

Intensificar a luta em torno de bandeiras históricas da nossa classe trabalhadora e dos movimentos sociais como a reforma agrária, a redução da jornada sem redução de salários. 

Denunciar e desmoralizar a mobilização covarde e cínica de Jair Bolsonaro e dos bolsonaristas golpistas por anistia e exigir a punição exemplar dos crimes que praticaram contra o Estado Democrático de Direito. 

Denunciar e condenar energicamente o genocídio sionista na Faixa de Gaza; defender o fim do conflito entre Rússia e Ucrânia, por trás do qual encontram-se os EUA e a OTAN; exigir o fim do criminoso bloqueio conta Cuba e lutar por uma nova ordem mundial fundada no efetivo multilateralismo, respeito do direito à autodeterminação das nações, solução negociada dos conflitos internacionais, desenvolvimento soberano e sustentável das nações, banimento das armas nucleares, combate à fome e defesa da paz no mundo

Conscientizar a classe trabalhadora e o povo brasileiro sobre a natureza da crise geral do capitalismo e da ordem imperialista hegemonizada pelos EUA. Não há saída progressista para os impasses da atualidade – econômicos, políticos e ambientais – nos marcos do sistema capitalista. Mais do que em qualquer época de sua história, a humanidade está diante do dilema entre barbárie ou socialismo. 

O maior desafio com que o movimento sindical e as forças progressistas se defrontam na atual conjuntura é o de ampliar a capacidade de mobilização, convencimento e conscientização da classe trabalhadora e do povo brasileiro para a luta contra os retrocessos e pela transformação da sociedade brasileira no rumo de uma sociedade democrática, soberana e socialista. 

Devemos refletir mais sobre as razões da baixa capacidade de mobilização do movimento sindical e dos movimentos sociais, que não vai muito além de reunir dirigentes sindicais e a militância. É preciso maior aproximação entre as lideranças e as bases do movimento sindical.

Precisamos compreender melhor os anseios, sentimentos e interesses da classe trabalhadora e levantar bandeiras afinadas com eles.

 

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